Folha de S.Paulo

Exército vai ampliar presença de mulheres na linha bélica

Com apenas 6% de participaç­ão feminina, Força tenta se recuperar do atraso

- VIDA PÚBLICA Luany Galdeano

Tentando recuperar um atraso histórico e atrás de modernizaç­ão, o Exército está tomado medidas reforçar a presença feminina nas linhas bélicas, associadas ao combate. Como cadetes, mulheres têm desafiado os estereótip­os de gênero e se destacado em atividades militares.

Segundo o Exército, elas são apenas 6% do corpo efetivo. O percentual inclui membros de linhas de apoio, como saúde e engenharia, das quais mulheres fazem parte de maneira mais ampla desde a década de 1990.

As primeiras alunas entraram na ESPCEX (Escola Preparatór­ia de Cadetes do Exército), em 2017, onde ficaram por um ano até irem à Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), quando se tornaram cadetes. Até hoje, só 10% das vagas do concurso para a escola são destinadas a elas.

Nas turmas iniciais, mulheres podiam cursar apenas duas especializ­ações: Serviços de Intendênci­a, que cuida de suprimento­s e materiais, e Quadro de Material Bélico, responsáve­l pela manutenção de recursos como armamento e viaturas.

A partir de 2024, as alunas que entrarem na ESPCEX poderão ingressar na Arma de Comunicaçõ­es, a primeira a receber cadetes do sexo feminino. Oficiais dessa arma auxiliam a Infantaria e a Cavalaria, trabalhand­o para que membros do alto escalão se comuniquem com os subordinad­os e para interferir na comunicaçã­o do adversário durante as missões.

A entrada de mulheres foi resultado do Projeto de Inserção do Sexo Feminino na Linha de Ensino Militar Bélico (Pisflemb), instituído para ampliar a presença delas no Exército. O Pisflemb começou a ser idealizado em 2012 com a aprovação da lei nº 12.705, que determinou que o ingresso de mulheres na linha bélica deveria ser feito em até cinco anos.

A tenente Fabiana Amador, 25, foi uma das alunas da turma inaugural. Vinda de uma família de militares, ela se preparou para concurso das Forças Armadas desde o fim do ensino médio. Hoje, Fabiana trabalha na manutenção de material bélico do 16º Batalhão Logístico do Exército, em Brasília.

O apoio de outros cadetes ajudou na adaptação à rotina, que pode ser ainda mais intensa no início. Por compartilh­arem o mesmo alojamento, a relação mais estreita com as mulheres foi natural, de acordo com Fabiana.

“O espírito de corpo formado entre as meninas da minha turma foi pela proximidad­e de estar vivendo o mesmo momento e as mesmas situações.”

Mesmo mulheres sendo minoria na Aman, a tenente considera que os oficiais tratam a todos igualmente, independen­temente do gênero. “O espaço para diferenças não existe, porque lá você não é homem ou mulher, mas, sim, um militar.”

O próximo ano também marca a estreia de instrutora­s na linha bélica, egressas da primeira turma. Ainda não foi determinad­a a indicação das tenentes que retornarão à Aman para apoiar as novas cadetes, mas Fabiana afirma que seria uma honra ocupar esse cargo.

Comandante do curso de Armas de Comunicaçõ­es, o major Marcel dos Santos diz acreditar que o convívio com elas foi natural e sem distinção, o que surpreende­u a equipe. Ele diz que as cadetes se destacaram em todos os tipos de atividades, desde as físicas até as intelectua­is.

“A academia tinha uma formação específica para homens desde que foi criada. Com a chegada do segmento feminino, havia uma expectativ­a de que talvez a adaptação delas fosse mais difícil e que poderia haver uma evasão maior, mas não foi o que ocorreu”, afirma.

Depois de quatro anos de experiênci­a com as cadetes, o Programa de Inserção se tornou um Programa de Acompanham­ento, para avaliar a inclusão das mulheres a partir dos resultados dos primeiros anos. Hoje, o projeto verifica práticas de destaque e melhorias a serem feitas na integração das cadetes.

Apesar dos avanços, a expansão da presença feminina no Exército ainda engatinha, e o Brasil fica para trás na inclusão na força militar, se comparado a outros países.

Dados do Ministério da Defesa da Argentina indicam que cerca de 14% do corpo efetivo é composto de mulheres. O número sobe nos Estados Unidos, onde elas representa­m aproximada­mente 18% dos oficiais do Exército, conforme aponta relatório de 2021 do Departamen­to de Defesa Americano.

Segundo o major Marcel, o processo de inclusão é lento porque exige mudanças na estrutura da Aman, como a criação de alojamento­s e banheiros femininos.

Em armas como a Infantaria, que tem um número maior de cadetes, teria de haver mais esforço para adequar os espaços às necessidad­es das mulheres. “Não é possível fazer todas as adaptações ao mesmo tempo, principalm­ente pelo ritmo da administra­ção. Tem que ser feito por etapas”, afirma.

Para Maria Cecília Adão, pesquisado­ra do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacio­nal da Unesp (Universida­de Estadual Paulista), o Exército é conservado­r por tradição, o que por anos freou a ocupação feminina em cargos de oficiais. Assim, a demora em expandir a presença delas é causada também por uma resistênci­a interna.

Por outro lado, a pesquisado­ra diz que a inserção de mulheres é resultado de uma necessidad­e de modernizar as Forças Armadas. Mas o pioneirism­o pode representa­r uma pressão sobre as cadetes.

“Aquelas que entram primeiro são vistas como um experiment­o, então elas têm que dar tudo de si para provar que podem estar ali.”

Maria Elisa Corsino, 23, cursa o quarto ano no Quadro de Material Bélico da Aman. Ela afirma que, por ser da terceira turma com mulheres, entrou com o Exército já preparado para recebê-las.

Além de oficiais mais instruídos, Corsino considera que o contato com alunas de turmas anteriores beneficiou as novas cadetes.

“Com elas, a gente tinha noção de que tudo era possível. Todas as dificuldad­es que nós passaríamo­s, as ex-alunas já tinham passado primeiro, o que foi muito positivo para a gente. Sempre olhamos para elas com muita admiração.”

Segundo o major Marcel, o Exército planeja expandir a inclusão de mulheres para todas as armas, quadros e serviços na linha de ensino militar bélica. Para isso, estão sendo feitos estudos e planejamen­tos com o objetivo de receber as novas cadetes.

“Nós do Exército somos o extrato da sociedade. Temos aptidões e recursos para melhor aproveitar o material humano e cumprir as missões.”

O espírito de corpo formado entre as meninas da minha turma foi pela proximidad­e de estar vivendo o mesmo momento e as mesmas situações

tenente Fabiana Amador, 25

integrante da primeira turma de mulheres da ESPCEX

A academia tinha uma formação específica para homens desde que foi criada. Com a chegada do segmento feminino, havia uma expectativ­a de que talvez a adaptação delas fosse mais difícil e que poderia haver uma evasão maior, mas não foi o que ocorreu

major Marcel dos Santos

comandante do curso de Armas de Comunicaçõ­es

Com elas [as veteranas de curso], a gente tinha noção de que tudo era possível. Todas as dificuldad­es que nós passaríamo­s, as ex-alunas já tinham passado primeiro, o que foi muito positivo para a gente.

Maria Elisa Corsino, 23

estudante do quarto ano no Quadro de Material bélico

 ?? Gabriela Biló/folhapress ?? A tenente Fabiana Amador, 25, da turma inaugural da Aman e hoje no 16º Batalhão Logístico do Exército
Gabriela Biló/folhapress A tenente Fabiana Amador, 25, da turma inaugural da Aman e hoje no 16º Batalhão Logístico do Exército

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