Sobre Dallagnol e Lula
O território das aparências na Justiça e no governo
A confiança no Judiciário depende daquilo que se mostra imediatamente para as pessoas. De certa maneira, a aparência sintetiza o real, o simbólico e o imaginário.
Confesso que estranhei a cassação do mandato do ex-procurador Deltan Dallagnol pelo TSE.
Mas a decisão tem lógica jurídica e teoricamente se inspira no princípio constitucional da moralidade. É surpreendente, por ser severa (a Justiça Eleitoral é historicamente complacente com abusos de poder) e inédita (não é errado construir nova jurisprudência).
Em síntese, o tribunal presume, pela rede de circunstâncias que cercou o pedido de exoneração do Ministério Público Federal, uma burla à lei de inelegibilidade. Dallagnol teria antecipado a sua saída do MPF para prevenir a instauração de processos administrativos que poderiam inviabilizar, no futuro, sua candidatura.
Como diz a canção consagrada nas vozes de Elis Regina e Ney Matogrosso, “as aparências enganam aos que odeiam e aos que amam”.
O juiz Sergio Moro condena e prende Lula, impedindo-o de se candidatar contra Jair Bolsonaro, que, eleito, o nomeia ministro da Justiça —circunstância que cobre de irremediável desconfiança métodos e julgamentos da Lava Jato.
Dallagnol acusa Lula de ser chefe de quadrilha. Esquecendo-se de que bochechas de magistrados não devem ser acariciadas, Lula acaricia a bochecha do ministro do TSE que depois cassaria o seu algoz. Se o ministro do TSE for nomeado ministro do STF, a decisão contra Dallagnol provavelmente estará coberta de irremediável desconfiança.
É no território das aparências que as equações se revelam impróprias.
Para escândalo geral, nos diálogos gravados entre personagens da Lava Jato, Dallagnol admitia ganhar dinheiro com palestras contra corrupção. O Conselho Nacional de Justiça, sob a liderança de Ricardo Lewandowski, crítico à Lava Jato, tornou sigilosos os valores que magistrados recebem por palestras, como se a remuneração de homens públicos fosse assunto da esfera privada.
Conforme investigação da Polícia Federal, ministro do TSE teve encontro secreto no Palácio da Alvorada com o presidente Jair Bolsonaro dias antes do julgamento do caso dos disparos em massa do Whatsapp que poderia cassar a chapa vitoriosa de 2018. Era para “buscar” o ministro onde ele estivesse e “trazer sem aparecer”.
Segundo a jornalista Malu Gaspar, o atual presidente da República acertou a escolha de novos juízes do TSE em almoço “fora da agenda” com o ministro Alexandre de Moraes.
Já o ministro Dias Toffoli, nomeado para o STF como homem de confiança do PT (esta semana ele admitiu ter condenado o ex-deputado petista José Genoino no processo do mensalão, mesmo acreditando na sua inocência), patrocinou em 2021 curioso encontro, fora das agendas oficiais, entre Jair Bolsonaro, Augusto Aras e o banqueiro André Esteves em sua residência.
É também no território das aparências que o terceiro mandato começa a desmoronar. Lira quer “sarneyzar” Lula.
Sob o olhar enfraquecido do presidente da República, o Congresso Nacional esvazia o poder dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Lula também não parece empenhado em tornar mais igualitária a correlação de forças entre homens e mulheres nos tribunais superiores do Brasil.
Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto abraçando causas ambientais, indígenas e feministas. Resta saber o que é política pública e o que é apenas enfeite.