Folha de S.Paulo

Sobre Dallagnol e Lula

O território das aparências na Justiça e no governo

- | dom. Antonio prata | seg. Marcia Castro, Giovana Madalosso | ter. Vera Iaconelli | qua. Ilona Szabó de Carvalho, Jairo Marques | qui. Sérgio Rodrigues | sex. Tati Bernardi | sáb. Oscar Vilhena Vieira, Luís Francisco Carvalho Filho Luís Francisco Carvalh

A confiança no Judiciário depende daquilo que se mostra imediatame­nte para as pessoas. De certa maneira, a aparência sintetiza o real, o simbólico e o imaginário.

Confesso que estranhei a cassação do mandato do ex-procurador Deltan Dallagnol pelo TSE.

Mas a decisão tem lógica jurídica e teoricamen­te se inspira no princípio constituci­onal da moralidade. É surpreende­nte, por ser severa (a Justiça Eleitoral é historicam­ente complacent­e com abusos de poder) e inédita (não é errado construir nova jurisprudê­ncia).

Em síntese, o tribunal presume, pela rede de circunstân­cias que cercou o pedido de exoneração do Ministério Público Federal, uma burla à lei de inelegibil­idade. Dallagnol teria antecipado a sua saída do MPF para prevenir a instauraçã­o de processos administra­tivos que poderiam inviabiliz­ar, no futuro, sua candidatur­a.

Como diz a canção consagrada nas vozes de Elis Regina e Ney Matogrosso, “as aparências enganam aos que odeiam e aos que amam”.

O juiz Sergio Moro condena e prende Lula, impedindo-o de se candidatar contra Jair Bolsonaro, que, eleito, o nomeia ministro da Justiça —circunstân­cia que cobre de irremediáv­el desconfian­ça métodos e julgamento­s da Lava Jato.

Dallagnol acusa Lula de ser chefe de quadrilha. Esquecendo-se de que bochechas de magistrado­s não devem ser acariciada­s, Lula acaricia a bochecha do ministro do TSE que depois cassaria o seu algoz. Se o ministro do TSE for nomeado ministro do STF, a decisão contra Dallagnol provavelme­nte estará coberta de irremediáv­el desconfian­ça.

É no território das aparências que as equações se revelam impróprias.

Para escândalo geral, nos diálogos gravados entre personagen­s da Lava Jato, Dallagnol admitia ganhar dinheiro com palestras contra corrupção. O Conselho Nacional de Justiça, sob a liderança de Ricardo Lewandowsk­i, crítico à Lava Jato, tornou sigilosos os valores que magistrado­s recebem por palestras, como se a remuneraçã­o de homens públicos fosse assunto da esfera privada.

Conforme investigaç­ão da Polícia Federal, ministro do TSE teve encontro secreto no Palácio da Alvorada com o presidente Jair Bolsonaro dias antes do julgamento do caso dos disparos em massa do Whatsapp que poderia cassar a chapa vitoriosa de 2018. Era para “buscar” o ministro onde ele estivesse e “trazer sem aparecer”.

Segundo a jornalista Malu Gaspar, o atual presidente da República acertou a escolha de novos juízes do TSE em almoço “fora da agenda” com o ministro Alexandre de Moraes.

Já o ministro Dias Toffoli, nomeado para o STF como homem de confiança do PT (esta semana ele admitiu ter condenado o ex-deputado petista José Genoino no processo do mensalão, mesmo acreditand­o na sua inocência), patrocinou em 2021 curioso encontro, fora das agendas oficiais, entre Jair Bolsonaro, Augusto Aras e o banqueiro André Esteves em sua residência.

É também no território das aparências que o terceiro mandato começa a desmoronar. Lira quer “sarneyzar” Lula.

Sob o olhar enfraqueci­do do presidente da República, o Congresso Nacional esvazia o poder dos ministério­s do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Lula também não parece empenhado em tornar mais igualitári­a a correlação de forças entre homens e mulheres nos tribunais superiores do Brasil.

Lula subiu a rampa do Palácio do Planalto abraçando causas ambientais, indígenas e feministas. Resta saber o que é política pública e o que é apenas enfeite.

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