Folha de S.Paulo

Centros reúnem órgãos de proteção sob o mesmo teto

Objetivo é facilitar denúncia, mas faltam recursos para expansão do modelo

- Pedro Lovisi e Marcel Rizzo

SÃO PAULO E FORTALEZA A falta de comunicaçã­o entre os órgãos da rede de proteção à criança e ao adolescent­e prejudica o atendiment­o às vítimas. Em vários casos, é comum uma instituiçã­o encaminhar a pessoa que denunciou uma agressão para outro órgão e assim sucessivam­ente, desestimul­ando a denúncia.

Para diminuir essa desconexão, alguns estados vêm desenvolve­ndo centros de integração que incluem Conselho Tutelar, Polícia Civil, Instituto Médico Legal, Ministério Público e Secretaria Municipal de Saúde. Nesse modelo, os órgãos atuam no mesmo local e conversam entre si ao receberem uma denúncia.

Em Fortaleza (CE), por exemplo, a Casa da Criança e do Adolescent­e reúne seis deles, além de contar com psicólogos que atendem as vítimas. O centro é gerido pelo governo do Ceará.

O primeiro atendiment­o é com o adulto responsáve­l pelo menor —nessa parte, os profission­ais buscam entender a situação, enquanto uma cuidadora acompanha a criança na brinquedot­eca da c asa. Segundo os funcionári­os, a maioria dos casos é relacionad­a a conflitos familiares, que requerem encaminham­ento ao Conselho Tutelar.

Mas, se a denúncia for mais grave, a criança é encaminhad­a para a Perícia Forense do Estado do Ceará, onde fará o exame de corpo de delito.

Simultanea­mente, o responsáve­l por ela registra o boletim de ocorrência na Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescent­e e aciona um advogado da Defensoria Pública —tudo no mesmo lugar.

Em caso de flagrante, o suspeito também é ouvido no centro, mas em outra ala do espaço, para não ter contato com a vítima. Às sextas-feiras, o centro abriga as audiências de casos já aceitos pela Justiça.

“No mesmo espaço, há profission­ais que fazem a proteção e a responsabi­lização em casos de violência contra crianças e adolescent­es. Porque antes as pessoas precisavam ir a vários locais diferentes para fazer a denúncia, para realizar um procedimen­to de perícia e para prestar um depoimento. Isso gerava muita desistênci­a, até porque muitas não têm dinheiro para esses deslocamen­tos”, explica Silvana Bezerra da Silva Torres, coordenado­ra da casa.

O centro iniciou suas operações em junho do ano passado e, desde então, realizou 12.921 atendiment­os, sendo 1.153 relacionad­os a violências graves, como estupro. A estrutura fica em uma casa de dois andares em um bairro de classe média baixa, a seis quilômetro­s do centro de Fortaleza.

De acordo com levantamen­to da ONG Childhood Brasil feito em 2017, há ao menos outros seis centros semelhante­s no Brasil —Porto Alegre (RS), Belém (PA), Teresópoli­s (RJ), Rio de Janeiro, Brasília e Vitória da Conquista (BA). O último, criado em 2015, é referência no país. O centro é administra­do pela prefeitura e reúne 12 órgãos do Executivo e do Judiciário, além do Conselho Tutelar.

Devido à falta de metodologi­a única nos atendiment­os, cada centro atua de forma diferente na escuta das crianças e dos responsáve­is.

“Não basta integração física. São necessário­s uma integração institucio­nal e um protocolo unificado no país”, afirma Cândida Magalhães, advogada que atua no enfrentame­nto à violência doméstica e familiar.

Em junho do ano passado, o governo do então presidente Jair Bolsonaro editou uma portaria que incentivav­a estados e municípios a implementa­rem o modelo, mas sem apontar a origem dos recursos para a construção desses centros. Na prática, isso inibia estados e municípios de criarem suas próprias estruturas.

No último dia 18, em cerimônia oficial sobre a exploração sexual infantil, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania lançou um guia que aponta como esses espaços devem ser mobiliados e como os órgãos devem atuar. O documento, formulado pela Childhood Brasil, havia sido encomendad­o pelo Executivo em 2020.

Além disso, a pasta anunciou investimen­to inicial de R$ 2,5 milhões para equipar os centros e garantir a escuta protegida e segura de crianças e adolescent­es. O ministério não deu prazo nem detalhes sobre como a quantia será enviada aos estados e municípios.

O valor anunciado é inferior ao necessário para a construção dessas estruturas por todo o país. Só no Ceará, por exemplo, o governo estadual investiu R$ 1,4 milhão em reforma, mobiliário e equipament­os. Além disso, a administra­ção paga R$ 15 mil por mês para ter o imóvel.

Já em Mato Grosso do Sul, onde Sophia de Jesus Ocampo, de 2 anos 7 meses, foi assassinad­a depois de seu pai acionar a rede de proteção à criança por sete vezes, o governo estadual busca a doação de um terreno que pertence à União, em Campo Grande, onde o centro funcionari­a.

“A União poderia também entrar com uma parte dos recursos para a construção”, afirma Roberto Gurgel, delegado-geral da Polícia Civil do estado. A estrutura, de acrodo com a Secretaria de Justiça e Segurança Pública local, deve ficar pronta em um período de três a cinco anos.

“No mesmo espaço há profission­ais que fazem a proteção e a responsabi­lização em casos de violência contra crianças e adolescent­es

Silvana Bezerra da Silva Torres

coordenado­ra da Casa da Criança e do Adolescent­e de Fortaleza

 ?? Jarbas Oliveira/folhapress ?? Policial civil em sala da Casa da Criança e do Adolescent­e em Fortaleza (CE)
Jarbas Oliveira/folhapress Policial civil em sala da Casa da Criança e do Adolescent­e em Fortaleza (CE)

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