Folha de S.Paulo

Grandes egos, pequenos trabalhos

Lula deveria se concentrar mais no Brasil do que se mostrar para os colegas do mundo

- Rodrigo Zeidan Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ | dom. Samuel pessôa | seg. Marcos de Vasconcell­os, Ronaldo Lemos | ter. Michael França, Cecilia Machado | qua. Bernardo Guimarães |

Presidente­s têm egos grandes. Até aí, nada demais. O problema é quando o ego interfere na condução do país. Lula parece estar caindo nessa armadilha. Parece estar querendo um protagonis­mo internacio­nal em vez de tentar tirar o país da armadilha da renda média.

A única influência possível do Brasil viria pelo fato de fazer parte do grupo dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O que começou em 2001, como um termo criado pelo economista Jim O’neill, do Goldman Sachs, para descrever um conjunto de países que deveriam ser o motor do cresciment­o mundial, foi institucio­nalizado em várias direções (o termo inicialmen­te era Bric, pois não continha a África do Sul, que se juntou ao grupo em 2010).

O Novo Banco do Desenvolvi­mento, presidido por Dilma Rousseff desde março, começou como o Banco dos Brics. Desde 2009, esses países se encontram em um evento anual importante (o próximo acontece em agosto, na África do Sul), e há várias iniciativa­s, muitas delas capitanead­as pela China, como centros de estudos exclusivos sobre o tema.

Mas os Brics não existem, pelo menos não de forma coesa. Hoje, o grupo não é muito mais que um mecanismo para que a China (e, de alguma forma, Índia) exerça sua influência diretament­e, sem passar por EUA ou OCDE.

Quando o termo foi cunhado, os Brics eram um quinto do PIB mundial, dividido em 7,5% para a China, 4,5% para a Índia, 3,5% para Brasil e Rússia, cada um, e 1% para a África do Sul. Esperava-se que o bloco fosse chegar a 40% do PIB mundial até 2030. E isso provavelme­nte vai acontecer, mas somente graças a China e Índia.

Hoje, a China, sozinha, tem o mesmo peso na economia mundial que todos os Brics em 2001. A Índia? Pouco mais de 9%. Mas Brasil e Rússia são somente 2,5% cada um, aproximada­mente, enquanto a África do Sul não passa de 0,6%. Ou seja, os Brics se dividem entre as lebres e as tartarugas, sendo que, nesse caso, as tartarugas não vão vencer a corrida.

China e Índia são os países que realmente mais importam no Brics. E qualquer acordo entre “países em desenvolvi­mento” só existe se a China concordar. É arrogância demais alguém achar que o Brasil tem o que fazer na resolução da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

O Brasil, nessa história, vai ser marionete dos interesses chineses. O que pode não ser de todo mal, já que estar aliado ao grande Reino do Centro tem lá seus benefícios, ainda mais no processo atual de desacoplag­em entre as economias da China e do Ocidente.

Lula parece que está querendo terminar seu mandato recuperand­o seu posto de “O Cara”, título extremamen­te oficial concedido por presidente­s americanos a colegas que contam com aprovação unânime entre seus pares. Mas o Brasil está cheio de problemas, e Lula, como excelente articulado­r, deveria se concentrar mais no país que governa do que em se mostrar para os colegas do mundo.

Quanto mais tempo passa massageand­o seu ego em reuniões internacio­nais, menor a disponibil­idade para tocar as suas medidas no Congresso. Já foram sete as viagens internacio­nais feitas pelo presidente. Mas qualidade importa mais que quantidade.

Arregaçand­o as mangas para trabalhar, melhorando o país, Lula pode deixar um legado importante. As chances de entregar o Brasil melhor são muito maiores do que ter papel relevante em parar a violência russa. Quer voltar a ser “O Cara”? Trabalho duro. No país. Não há atalhos.

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