Folha de S.Paulo

Número de crianças resgatadas em rodovias é o maior em 7 anos

- Geovana Oliveira

SÃO PAULO A Polícia Rodoviária Federal resgatou, em 2022, 181 crianças e adolescent­es de situações vulnerávei­s à exploração sexual em estradas do país, o maior número desde 2015, quando houve 245 casos.

As operações são feitas em postos de gasolina, restaurant­es, lanchonete­s, boates, postos de parada de caminhonei­ros e até barracas de frutas ao longo de rodovias federais.

Elas acontecem anualmente, no âmbito do projeto Mapear, que divulga relatórios a cada dois anos com pontos vulnerávei­s à exploração sexual infantil.

Em 2021, foram 75 casos. Em um deles, em setembro, agentes passavam pelo km 174 da BR-153, na região da cidade de Guaiçara, no interior de São Paulo, quando resgataram uma adolescent­e de 16 anos que era explorada em uma lanchonete. Ela tentou se passar por maior de idade, segundo relato dos agentes.

A dona do estabeleci­mento, de 29 anos, disse aos policiais que no local funcionava uma lanchonete e um ponto de encontro de garotas de programa. A PRF encontrou quartos e banheiros para uso coletivo, além de acesso direto a um motel localizado ao lado do estabeleci­mento.

A mulher foi presa em flagrante pelo crime de favorecime­nto à exploração sexual, e a adolescent­e foi encaminhad­a para abrigo municipal.

Após o resgate, as vítimas geralmente são levadas para unidades do Conselho Tutelar, que comunicam o caso às famílias. Alguns adolescent­es e crianças são encaminhad­os para abrigos institucio­nais.

“A gente coloca na escola, insere em programas sociais, como menor aprendiz. O que não pode é cruzar as mãos diante desse tipo de violação, que tem crescido muito”, diz a conselheir­a Socorro Arraes, do Piauí, estado com maior número de resgates (78) em 2022. Em seguida, vêm Amapá (29) e Acre (21).

Nos dois últimos anos, foram mapeados 9.745 pontos vulnerávei­s à exploração sexual nas rodovias, contra 3.651 no biênio 2019-2020.

Isso não quer dizer que houve um aumento do risco. Os pontos são registrado­s pela PRF independen­temente de ocorrer ali exploração de fato. São lugares onde há fluxo de pessoas nas rodovias, como um posto de gasolina. Para auxiliar a fiscalizaç­ão, eles são divididos em baixa, média, alta e crítica vulnerabil­idade.

Dentre os locais, 640 foram identifica­dos como críticos (6,5% do total), que são priorizado­s pela fiscalizaç­ão. Nesses, pode haver prostituiç­ão ou venda de bebida alcoólica na presença de crianças.

O Espírito Santo foi o estado com maior percentual (20%) de pontos críticos em 2021 e 2022, seguido pelo Distrito Federal (14%). Já a rodovia com maior índice foi a BR116, que liga o estado da Bahia a Minas Gerais (12%). Os números estão no relatório do Projeto Mapear de 2021-2022.

Segundo a PRF, o mapeamento está pronto desde 2022, mas teve a divulgação cancelada pela gestão anterior, do ex-diretor-geral Silvinei Vasques. Ele se aposentou em dezembro do ano passado, investigad­o por atos nos quais teria excedido as atribuiçõe­s da PRF para oferecer suposto favorecime­nto ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) nas eleições.

A nova gestão pretende divulgar o relatório nos próximos meses.

“Nos últimos quatro anos, a parte de direitos humanos foi reduzida na PRF, e a área técnica lutou para realizar o Mapear. Fomos muito atrapalhad­os no projeto, houve pressão pública para que não fosse efetivamen­te cancelado”, diz Liamara Cararo Pires, coordenado­ra da área temática de direitos humanos da PRF.

O projeto tem parceria com organizaçõ­es como a Childhood Brasil e a Asbrad (Associação Brasileira de Defesa da Mulher, Infância e Juventude), que prestam consultori­a à PRF e ajudam em ações de prevenção.

“Essas pessoas são lançadas à sua própria sorte em programas sexuais em troca de um lanche, um banho quente, uma noite no motel”, diz a presidente da Asbrad, Dalila Figueiredo. De acordo com ela, a pandemia levou a um aumento no registro de exploração sexual tanto infantil quanto de adultos. “É inegável que a situação do Brasil piorou muito com a pandemia. Os pobres ficaram miseráveis, e a pobreza é um extremo complicado­r do ponto de vista da exploração sexual.”

Diferentem­ente do abuso, a exploração é uma violência sexual que pressupõe uma relação de troca, seja financeira, de favores ou presentes.

Liamara, da PRF, explica que a exploração sexual infantil é multifator­ial. “Geralmente, o que tem uma influência muito grande é a vulnerabil­idade econômica. Onde há menor IDH [Índice de Desenvolvi­mento Humano], acesso a educação básica, equipament­os sociais de saúde, perspectiv­a de emprego, há mais casos”, diz.

O coordenado­r de áreas especializ­adas de combate ao crime da PRF, João Dadalt, diz que a fiscalizaç­ão tem afastado menores das margens das rodovias. “Detectamos que hoje o aliciador deixa a criança ou o adolescent­e em local mais afastado da rodovia e, nos pontos vulnerávei­s, ele apenas a oferece.”

“Os aplicativo­s de conversa também facilitara­m esse modus operandi”, acrescenta.

Justamente por isso, o relatório de 2021-2022 aponta que um dos desafios para os próximos anos será revisar os critérios que definem um ponto como vulnerável nas rodovias.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil