Folha de S.Paulo

Marina acalma ONGS e diz que Lula vai vetar mudança da Lei da Mata Atlântica

Ministra gravou vídeo que foi exibido em evento de ambientali­stas em São Paulo na quinta-feira

- Ana Carolina Amaral, João Gabriel e Julia Chaib O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundation­s.

Em uma aparição por vídeo, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) buscou tranquiliz­ar as ONGS reunidas na noite da quinta-feira (25) no Viva a Mata, evento promovido anualmente pela SOS Mata Atlântica, no lounge da Bienal, no parque Ibirapuera, em São Paulo.

Em vídeo gravado em Brasília, pouco antes do evento, Marina aparece sorridente com o retrato do presidente Lula ao fundo. Ela afirmou que o presidente Lula vetará o trecho que afrouxa a Lei da Mata Atlântica na MP 1.150, aprovada pela Câmara na quarta (24), o que foi comemorado pelo público de ambientali­stas, que tinham acabado de entoar o grito “veta, Lula” no auditório.

“Ontem [quarta] tivemos uma notícia muito ruim, de que aqueles dispositiv­os que dificultam a proteção da Lei da Mata Atlântica haviam voltado. Mas hoje temos uma notícia boa”, afirmou Marina no vídeo. “Como da primeira vez em que esse dispositiv­o veio à cena, o presidente Lula novamente disse que irá vetar.”

Na sequência, o secretário-executivo do MMA (Ministério do Meio Ambiente), João Paulo Capobianco, também apareceu em vídeo gravado reforçando a declaração da ministra. Segundo ele, o recado do veto de Lula ao MMA na tarde da quinta foi dado através do ministro de Relações Institucio­nais, Alexandre Padilha.

“Vai vetar todos os jabutis”, afirmou Capobianco sobre a MP 1.150, em uma referência mais ampla às emendas que entraram no texto no plenário da Câmara com afrouxamen­to de normas ambientais.

O texto aprovado pelos deputados enfraquece as políticas do CAR (Cadastro Ambiental Rural) e do PRA (Programa de Regulariza­ção Ambiental), voltadas aos produtores rurais, e também enfraquece a proteção de Áreas de Preservaçã­o Permanente urbanas.

A reação do governo sobre o veto veio após uma avalanche de críticas enviadas em cartas e mensagens nas redes sociais por centenas de organizaçõ­es socioambie­ntais e instituiçõ­es de pesquisa. Quase 800 organizaçõ­es assinaram uma carta na quinta-feira contra as medidas antiambien­tais aprovadas pelo Congresso.

Ainda na quarta-feira, cartas enviadas por jovens, servidores públicos e ex-dirigentes de órgãos ambientais já pressionar­am os líderes do governo a revisar as decisões.

O compromiss­o de vetar jabutis foi anunciado na tarde da quinta-feira por Gleisi Hoffmann, presidente do PT. No Twitter, ela afirmou que o governo buscará reverter os retrocesso­s ambientais aprovados no Congresso na quarta-feira, incluindo o esvaziamen­to da pasta ambiental pela MP 1.154 e a aprovação de urgência do PL 490, sobre o marco temporal de terras indígenas.

Durante o evento, a SOS Mata Atlântica apresentou os dados anuais do bioma reunidos no Atlas da Mata Atlântica, produzido em parceria com o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). De outubro de 2021 ao mesmo mês de 2022, o bioma perdeu mais de 20 mil hectares.

Já de acordo com o SAD (Sistema de Alertas de Desmatamen­to) da mata atlântica, de janeiro de 2022 a fevereiro de 2023, os dados computam o desmate de 75.163 hectares de mata atlântica, o equivalent­e a 75 mil campos de futebol.

Após uma repercussã­o carregada de críticas na quarta-feira, tanto o Palácio do Planalto quanto o Ministério do Meio Ambiente já davam sinais de que entrariam em acordo ao longo da quinta-feira.

Em um gesto de apoio a Lula, Marina apareceu fazendo a letra L com uma das mãos ao discursar na posse do novo presidente Instituto Chico Mendes de Conservaçã­o da Biodiversi­dade (ICMBIO), Mauro Pires.

Em participaç­ão na Comissão de Meio Ambiente da Câmara na manhã de quinta, também amenizou o fato de o governo ter votado a favor da MP que esvazia sua pasta. Ela afirmou que é difícil negociar com o Congresso, pois o governo não tem maioria.

Na manhã desta sexta (26), Lula recebeu Marina Silva e Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, que também sofre a perda de duas atribuiçõe­s-chave da sua pasta no texto atual da MP 1.154: a demarcação de terras indígenas e a administra­ção da Funai.

A reunião buscou aplacar as insatisfaç­ões das pastas e reafirmar compromiss­os da cúpula do governo com as políticas socioambie­ntais.

De acordo com a agenda oficial do presidente, também participar­am do encontro outros ministros, incluindo Rui Costa, da Casa Civil, e líderes do governo das duas casas parlamenta­res e o líder no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-ap).

No encontro, Lula reconheceu a Marina e Sonia que precisará buscar alternativ­as para reverter o desmonte ambiental, admitindo que está sem força no Congresso.

Segundo interlocut­ores disseram à Folha sob condição de anonimato, Lula assegurou que, independen­te do setor onde instrument­os como o CAR e a demarcação de terras indígenas estejam, sua gestão cumprirá o compromiss­o de preservar o meio ambiente e a defesa dos indígenas.

O diagnóstic­o é que, sem forças no Congresso, é difícil que qualquer dessas alterações consiga ser desfeita no plenário da Câmara e do Senado e que, por isso, é necessário buscar alternativ­as que dependam apenas de normas internas ao Executivo, por exemplo, portarias.

Uma das possibilid­ades é que tanto as decisões do CAR quanto aquelas sobre demarcação de terras sejam referendad­as por Meio Ambiente e Povos Indígenas, respectiva­mente. Outra é a criação de conselhos, chefiados pela Casa Civil, mas com presença de membros dessas pastas.

Segundo interlocut­ores, faz mais sentido para o governo, diante do cenário atual, aprovar a medida como ela está do que tentar bancar uma disputa que pode custar ainda mais —há o temor de os parlamenta­res deixarem a MP caducar, o que faria o Executivo perder toda sua estrutura.

No encontro, portanto, as alternativ­as de veto ou de judicializ­ação foram descartada­s.

Um veto no caso da demarcação, por exemplo, seria ineficaz no entendimen­to dos presentes, uma vez que faria a estrutura do governo retornar ao que era na gestão Bolsonaro (ou seja, quando a delimitaçã­o dos território­s já era competênci­a da Justiça).

No entendimen­to de membros do ministério de Sonia, o fato de Flávio Dino ser o atual ministro da Justiça dá segurança de que os processos seguirão com celeridade.

“Ontem [quarta] tivemos uma notícia muito ruim, de que aqueles dispositiv­os que dificultam a proteção da Lei da Mata Atlântica haviam voltado. Mas hoje temos uma notícia boa. Como da primeira vez em que esse dispositiv­o veio à cena, o presidente Lula novamente disse que irá vetar Marina Silva ministra do Meio Ambiente, em vídeo exibido em evento da ONG SOS Mata Atlântica

 ?? Adriano Machado - 24.mar.23/reuters ?? A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante entrevista em seu gabinete, em Brasília
Adriano Machado - 24.mar.23/reuters A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante entrevista em seu gabinete, em Brasília

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