Ken Loach põe ingleses e sírios para brigar em filme açucarado
As regras de Cannes exigem que os membros de seu júri sejam imparciais ao falar da seleção de filmes do evento antes da entrega dos prêmios. Isso não impediu que Ruben Östlund, presidente deste ano, deixasse escapar um fundinho de opinião ao brincar com seu desejo de ser o primeiro cineasta a acumular três Palmas de Ouro.
“Ken Loach não tem chance! Estou brincando. Ele certamente terá uma terceira Palma se tiver feito o melhor filme, e aí eu vou ter que mirar em quatro vitórias”, afirmou em conversa com este jornal na véspera da abertura. Pode até parecer um comentário neutro, mas é incapaz de esconder a ambição na qual o sueco vem insistindo desde a vitória de “Triângulo da Tristeza” na edição do ano passado.
O filme de Loach é justo o escolhido para encerrar as sessões desta 76ª edição de Cannes. “The Old Oak”, algo como o velho carvalho, marca a 16ª participação do britânico no festival, um recorde. Em 2016, venceu a Palma com “Eu, Daniel Blake”, e em 2006, com “Ventos da Liberdade”.
Prêmios ecumênicos, do júri, da crítica e um honorário se acumulam no currículo de um dos nomes mais celebrados pela Croisette. É de se esperar que a corrida para os outros cineastas em competição não seja fácil —embora, por outro lado, é difícil pensar no júri entregando uma terceira Palma, independente de Östlund ser ou não o presidente.
Cannes não é afeita a celebrações repetitivas, e Loach é a exceção que comprova a regra. Talvez por isso seu filme tenha sido escolhido para fechar o evento, numa sexta que antecede a cerimônia de premiação, em que a cidade já está visivelmente mais vazia.
Em “The Old Oak”, Loach novamente critica o sistema capitalista falido de hoje, ao retratar os invisíveis aos olhos do empresariado e do governo, desassistidos numa espiral de miséria infindável.
O longa abre com uma interessante sequência de fotografias em preto e branco que se movem conforme o diálogo avança. Elas acompanham a chegada de um ônibus de refugiados sírios a uma cidadezinha da Inglaterra, que, imersa em xenofobia e em seus próprios problemas, não recebe bem os novos vizinhos.
Uma das refugiadas é Yara, jovem que se mudou para o país com a mãe e o irmão depois que o pai foi preso por uma milícia bancada pela ditadura de Bashar al-assad.
As fotos do início, logo descobrimos, foram feitas por ela, que se torna amiga do dono de um pub decadente que mal se mantém aberto devido à pobreza da cidade.
Assim, unindo os problemas de sírios e ingleses, “The Old Oak” captura a tensão social que paira sobre a Europa decadente. Não é novidade no cinema de Loach, que usa aqui os mesmos recursos de outrora, mas com mais obviedade, pesando a mão em diálogos excessivamente expositivos.
“The Old Oak” não deixa de ter uma mensagem bonita, ao refletir sobre o poder das comunidades. Mas é ingênuo no problema da xenofobia, mais crônico e enraizado do que o filme faz parecer ao individualizar e delinear os vilões.
É um mea-culpa de europeu com final açucarado, por melhores que sejam as intenções.
A sessão que foi realizada para a imprensa do mundo todo o aplaudiu, o que talvez tenha mais a dizer sobre o público de Cannes do que a qualidade cinematográfica do longa-metragem. Não deixa de ser louvável, no entanto, que Loach, aos 86 anos, esteja capturando de forma eloquente os problemas que muitos ainda preferem ignorar.