Folha de S.Paulo

Poderosos pentecosta­is

- Juliano Spyer Antropólog­o, pesquisado­r do Cecons/ UFRJ, autor de “Povo de Deus” e criador do Observatór­io Evangélico

Quem você imagina que esteja à frente da expansão do cristianis­mo evangélico no Brasil? Se você pensou em grandes denominaçõ­es, como Igreja Universal, Renascer ou Batista, enganou-se. Estudo que o cientista político Victor Araújo acaba de publicar indica que o cresciment­o do protestant­ismo aqui acontece a partir da atuação das igrejas pentecosta­is, as mais tradiciona­is em termos de costumes e com pregações fervorosas.

Victor é pesquisado­r sênior na Universida­de de Zurique. Segundo dados que ele coletou, em 2019 havia quase 50 mil templos pentecosta­is no país. É mais que o dobro do número de igrejas históricas e quase quatro vezes mais que o número de igrejas neopenteco­stais.

Essa informação complement­a uma projeção feita pela economista Fernanda de Negri, do Ipea, que mostra igrejas pentecosta­is se multiplica­ndo mais rapidament­e que as denominaçõ­es conhecidas.

Ou seja, o grupo mais importante numericame­nte e que puxa o avanço evangélico é o de igrejas pequenas e independen­tes, que funcionam em garagens nas periferias do país.

Outro dado importante: as igrejas pentecosta­is pequenas que se estabelece­m em bairros novos e distantes não monopoliza­m a religiosid­ade nesses espaços. Ao contrário, elas abrem as portas para o estabeleci­mento das outras tradições evangélica­s. A reboque chegam igrejas históricas, reformadas e neopenteco­stais.

O período em que o número de igrejas mais cresceu no Brasil, segundo Victor, foi entre 2000 e 2016. E os estados que concentram o maior número (mais de 60 igrejas por 100 mil habitantes) são, respectiva­mente, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Rondônia e São Paulo. É nesses locais que o número de protestant­es superará primeiro o número de católicos, nesse processo de transito religioso que o país atravessa.

O Sudeste concentra o cresciment­o do cristianis­mo evangélico, em contraste com o Nordeste, onde o catolicism­o resiste.

Victor pesquisou a abertura de igrejas evangélica­s no Brasil ao longo de um século, entre 1920 e 2019, a partir de informaçõe­s disponibil­izadas pela Receita Federal. E ele defende que o resultado pode servir como alternativ­a aos dados de filiação religiosa do IBGE. É uma contribuiç­ão revelante, porque o nosso cenário religioso muda rapidament­e, mas os dados mais recentes do Censo são de 2010.

Não existe precedente histórico para o que acontece no Brasil: um país de dimensões continenta­is trocando de religião de maneira espontânea, sem a interferên­cia do Estado. Felizmente, a literatura acadêmica sobre esse tema é vigorosa. Trabalhos como o de Victor ajudam a entender como e porquê isso acontece.

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