Folha de S.Paulo

Repensar São Paulo

Às vésperas da votação, mudanças polêmicas na revisão do Plano Diretor exigem mais debate

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Lá se vão quase 70 anos desde que as autoridade­s paulistana­s propalavam, com indisfarçá­vel orgulho, que São Paulo era “a cidade que mais crescia no mundo”.

Se o slogan dos festejos do quarto centenário, em 1954, anteviu o que seria a maior metrópole da América Latina, a expansão vertiginos­a e desenfread­a produziu iniquidade­s urbanístic­as em série.

O escasso planejamen­to e um certo fetiche rodoviaris­ta de seus governante­s legaram ocupações em regiões sensíveis, como morros, entornos de cursos d’água e represas; impermeabi­lização excessiva do tecido urbano; inequivalê­ncia de infraestru­tura nos bairros, a destacar malha de transporte­s e áreas verdes; bolsões de pobreza nas franjas da cidade.

Em meio à emergência climática, projetar um regramento que oriente o cresciment­o sustentáve­l da capital —e que ao menos mitigue graves equívocos do passado— é uma imposição premente.

Torna-se inevitável e bem-vinda, portanto, a revisão do Plano Diretor Estratégic­o de São Paulo, que determina, entre outros pontos, a distribuiç­ão e proporcion­alidade de moradias, serviços e indústrias.

Aprovado em 2014, ainda na gestão Fernando Haddad (PT), o plano atual teve sua atualizaçã­o adiada em 2021, devido à pandemia, e segue em discussão, agora sob a administra­ção Ricardo Nunes (MDB).

A necessidad­e, contudo, não justifica o açodamento em curso. Dias antes da votação do projeto na Câmara Municipal, marcada para quarta-feira (31), o relator Rodrigo Goulart (PSD) apresentou substituti­vo que altera significat­ivamente o texto original —que havia sido discutido por meses entre especialis­tas, autoridade­s e munícipes em audiências públicas.

Reportagem desta Folha apontou que construtor­as propuseram 26 alterações: 15 delas foram incluídas e 3 parcialmen­te acatadas.

Entre os pontos polêmicos estão a possibilid­ade de ampliar a verticaliz­ação, com prédios mais altos, e as vagas de garagem no entorno de corredores de ônibus e estações de metrô. São justamente nesses locais que hoje estão mais da metade dos lançamento­s imobiliári­os.

De forma correta, o Ministério Público de São Paulo entrou com pedido de liminar para que a tramitação seja interrompi­da e ocorram novas audiências públicas.

O que está em jogo é o futuro da cidade: adensament­o desordenad­o, mais carros nas ruas e moradias populares afastadas dos eixos de transporte certamente não contemplam o interesse público.

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