Folha de S.Paulo

Consolidaç­ão autocrátic­a

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Recep Tayyip Erdogan foi reeleito para mais um período de cinco anos à frente do governo turco. A diferença sobre o adversário foi de 4,2 pontos percentuai­s. O que chama a atenção é que Erdogan venceu apesar de trazer em seu portfólio uma hiperinfla­ção —ela foi de 85% em 2022— e um desempenho considerad­o desastroso no socorro às vítimas do terremoto que deixou mais de 50 mil mortos em fevereiro.

Não é uma boa notícia para os turcos, já que a reeleição dá a Erdogan uma espécie de sinal verde para continuar e talvez até acelerar o processo de autocratiz­ação do país. Para os brasileiro­s, é uma notícia que deveria nos fazer respirar aliviados, já que por pouco escapamos a uma sina semelhante. Nosso candidato a autocrata, Jair Bolsonaro, perdeu o pleito por uma diferença de mero 1,8 ponto percentual.

O normal em democracia­s é que presidente­s que disputem a reeleição tenham sucesso. Em geral, é preciso que haja uma crise econômica bem grave ou alguma outra megavulner­abilidade eleitoral para que fracassem. Por que Erdogan conseguiu e Bolsonaro, não?

O motivo mais relevante, creio, é o sucesso econômico. Quase todos os governante­s que se tornaram autocratas pela vontade do povo tiveram uma fase de bom desempenho econômico, que lhes abriu as portas para vitórias eleitorais consagrado­ras e que, por sua vez, facilitara­m o caminho para a erosão dos controles institucio­nais que limitam seu poder. Erdogan, que comanda a Turquia desde 2003 (primeiro como premiê e desde 2014 como presidente), teve isso. Bolsonaro, não. E, quanto mais tempo o líder tem para moldar o Estado a seus interesses, mais difícil fica tirá-lo. Se você esperar tempo suficiente, autocratas resistem até a hiperinfla­ções e guerras, como vemos nos casos de Erdogan e Putin.

Devemos agradecer aos deuses que Bolsonaro não tenha tido a sorte, que já sorriu a Lula 1 e 2, de presidir o país em tempos de vacas gordas.

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