Folha de S.Paulo

Congresso discute mudar PEC da Anistia após críticas

Cota para mulheres e fim de perdão por irregulari­dades estariam entre mudanças

- Ranier Bragon

BRASÍLIA Integrante­s da cúpula do Congresso Nacional começaram a discutir a amenização da PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) que institui o maior perdão da história a partidos políticos.

A PEC da Anistia foi aprovada pela Comissão de Constituiç­ão e Justiça da Câmara e aguarda a instalação de uma comissão especial de discussão do mérito, último passo antes da votação em plenário.

Para ser aprovada em plenário, uma PEC precisa do apoio mínimo de 60% dos parlamenta­res (308 de 513 na Câmara e 49 de 81 no Senado), em dois turnos de votação em cada Casa. Se ocorrer, é promulgada e passa a valer, sem possibilid­ade de veto do Executivo.

Entre as alterações avaliadas estão a retirada do perdão para irregulari­dades partidária­s, como o uso do fundo partidário para fins particular­es, além do estabeleci­mento de cota mínima de cadeiras para mulheres no Legislativ­o, que hoje não existe.

As discussões vêm após a repercussã­o negativa da proposta, criticada por especialis­tas e entidades de transparên­cia.

A PEC da Anistia foi um dos temas discutidos em um jantar na semana passada na casa do líder da bancada do PSD, Antonio Brito (BA). Estiveram presentes ministros do partido, o presidente da legenda, Gilberto Kassab, e o da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A CCJ da Câmara aprovou no último dia 16 a admissibil­idade da PEC, com o apoio da ampla maioria de partidos, incluindo os líderes do governo, José Guimarães (PT-CE), e da oposição, Carlos Jordy (PL-RJ). A proposta recebeu o aval de 45 deputados da comissão, com 10 votos contrários.

Na sessão, apenas os deputados Chico Alencar (PSOL-RJ), Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Tarcísio Motta (PSOL-RJ), Kim Kataguiri (União Brasil-SP), Adriana Ventura (Novo-SP) e Gilson Marques (Novo-SC) se manifestar­am contra a proposta em seus discursos.

O PT de Lula e o PL de Jair Bolsonaro se manifestar­am a favor, nas falas dos deputados Gleisi Hoffmann (PT-PR), presidente nacional do partido, e Éder Mauro (PL-PA).

Além de mudanças na tentativa de amenizar o desgaste, haveria discussão para acelerar ainda mais a aprovação do projeto, de acordo com entidades de transparên­cia que acompanham os bastidores da tramitação.

A manobra em análise seria a de pular a instalação da comissão especial de análise do mérito, o que é exigido para toda PEC, e votar o texto diretament­e no plenário da Câmara. Para isso, a PEC da Anistia seria apensada a alguma outra que já tenha passado pela fase de comissão.

A comissão especial para análise de propostas de emenda à Constituiç­ão tem prazo de 40 sessões para discutir o mérito do tema, podendo haver votação após a realização de ao menos dez sessões.

Parlamenta­res que acompanham o assunto afirmaram, reservadam­ente, que não haveria consenso para a realização da manobra para eliminar a etapa de tramitação, mas que a ideia é que haja votação na comissão no prazo mais curto previsto, ou seja, após as dez sessões.

A PEC, em sua versão atual, tem apenas três artigos.

O primeiro estende para a disputa de outubro de 2022 a anistia aos partidos que não cumpriram a cota mínima de repasse de recursos públicos a mulheres e negros.

Nas eleições, a maioria dos partidos não cumpriu essas cotas. Nas contas partidária­s relativas a 2017, as mais recentes com julgamento concluído, nenhum partido destinou o mínimo necessário para a promoção da inclusão das mulheres na política.

Em abril de 2022, o Congresso já havia aprovado e promulgado uma PEC anistiando as legendas pelo não cumpriment­o das cotas nas eleições anteriores.

O segundo artigo estabelece que “não incidirão sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução e recolhimen­to de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiame­nto de Campanha, nas prestações de contas de exercício financeiro e eleitorais dos partidos políticos que se derem anteriorme­nte à promulgaçã­o desta alteração de emenda constituci­onal”.

Ou seja, uma vez aprovada a PEC, ficariam praticamen­te inócuas as análises pela Justiça Eleitoral das contas dos partidos relativas à aplicação do dinheiro público no seu dia a dia e nas eleições.

Como mostrou a Folha , só nas últimas contas partidária­s julgadas, o TSE ordenou a devolução de R$ 40 milhões aos cofres públicos. Entre outras irregulari­dades apontadas está a compra de avião e de quase quatro toneladas de carne por uma legenda, o extinto Pros (incorporad­o ao Solidaried­ade). Ao todo, o TSE reprovou 19 das contas partidária­s de 2017 e aprovou com ressalvas as outras 16.

O terceiro artigo da PEC permite que os partidos voltem a receber dinheiro empresaria­l “para quitar dívidas com fornecedor­es contraídas ou assumidas até agosto de 2015”, época em que o STF (Supremo Tribunal Federal) proibiu o financiame­nto de empresas a partidos e candidatos.

O Congresso já havia perdoado em 2022 os partidos pelo descumprim­ento da cota de gênero em eleições e em exercícios anuais anteriores, o que impediu o TSE de determinar a devolução de dezenas de milhões de reais aos cofres públicos.

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Vinicius Loures - 16.mai.23/Câmara dos Deputados Sessão de comissão da Câmara que aprovou a admissibil­idade da PEC da Anistia

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