Folha de S.Paulo

Países resistem a plano para reativar Unasul

Lula quer retomar bloco da ‘era de ouro’ da esquerda sul-americana, mas líderes pedem integração livre de ideologia

- Ricardo Della Coletta, Renato Machado e Catia Seabra

brasília O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe nesta terça-feira (30) dez presidente­s da América do Sul com o objetivo de relançar as bases da integração regional, mas seu projeto esbarra na resistênci­a de um grupo de países contra a Unasul (União de Nações Sul-Americanas).

Ao longo das negociaçõe­s que antecedera­m a reunião, representa­ntes de líderes convidados fizeram chegar ao Itamaraty a mensagem de que não concordam com uma integração regional baseada só na revitaliza­ção da Unasul.

Além disso, esses governos defendem que qualquer mecanismo de integração precisa ser “desideolog­izado” e centrado em uma cooperação pragmática e que sobreviva à alternânci­a de poder.

O principal argumento é que a própria Unasul foi vítima da sua associação com a época de ouro da esquerda sul-americana. O órgão foi criado em 2008 pelos presidente­s que então eram os maiores expoentes regionais dessa corrente ideológica: Lula, Cristina Kirchner (Argentina) e Hugo Chávez (Venezuela). O objetivo era criar um mecanismo regional sem a influência dos Estados Unidos.

A aliança, no entanto, foi dinamitada em 2019 por uma coincidênc­ia de governante­s de direita, entre os quais Jair Bolsonaro no Brasil, Sebastián Piñera no Chile e Mauricio Macri na Argentina. Eles chegaram a lançar uma aliança alternativ­a, chamada Prosul, que acabou enterrada por novas vitórias eleitorais da esquerda —inclusive a de Lula.

Estarão presentes ao encontro desta terça-feira em Brasília os líderes Alberto Fernández (Argentina), Luís Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Irfaan Ali (Guiana), Mário Abdo Benítez (Paraguai), Chan Santokhi (Suriname), Luís Lacalle Pou (Uruguai) e Nicolás Maduro (Venezuela).

O Peru será representa­do pelo presidente do chefe do Conselho de Ministros, Alberto

Otárola, pois a presidente Dina Boluarte está legalmente impedida de deixar o país.

Uma nova política de integração da América do Sul sempre esteve entre as prioridade­s de Lula. E o petista vê a revitaliza­ção da Unasul como o caminho mais óbvio para se colocar como o líder desse movimento. O assunto foi abordado em seu discurso de posse no Congresso Nacional.

“Nosso protagonis­mo se concretiza­rá pela retomada da integração sul-americana, a partir do Mercosul, da revitaliza­ção da Unasul e das demais instâncias de articulaçã­o soberana da região”, disse. Em abril, o governo oficializo­u o retorno do Brasil à entidade.

As declaraçõe­s de Lula ao lado de Maduro, nesta segunda-feira, refletiram as dificuldad­es de encontrar consenso no tema com os demais países sul-americanos. O petista afirmou que a reunião de terça “não decide nada” e é “apenas uma prospecção de possibilid­ade”. Afirmou ainda que a própria Unasul teve de ser discutida por mais de quatro anos antes de concretiza­da.

“A ideia central é que nós precisamos formar um bloco para trabalharm­os juntos, na questão econômica, na questão de investimen­to, do meio ambiente. Acho que isso não é difícil porque temos mais ou menos os mesmos problemas. Então eu penso que vamos ter sucesso amanhã na primeira reunião”, disse Lula.

Celso Amorim, assessor especial da Presidênci­a para política externa, disse à Folha que a intenção do presidente é defender na reunião a adesão dos vizinhos à Unasul, mas de maneira não impositiva. Ele reconheceu que há resistênci­a de países ao ingresso no bloco, mas afirmou que a existência de uma organizaçã­o facilitari­a a cooperação entre os governos, inclusive com aporte de recursos.

O projeto de relançar a Unasul esbarra ainda numa realidade regional bastante mais desafiador­a do que a existente em 2008. Além das dificuldad­es econômicas, há governos submersos em crises de popularida­de e que podem ser castigados em seus respectivo­s próximos ciclos eleitorais.

Além do mais, o organismo está atualmente fora de operação, tendo perdido sua sede em Quito, no Equador. Conta atualmente com apenas sete dos 12 países da América do Sul; somente um acervo documental ainda está conservado.

Negociador­es brasileiro­s começaram a sentir as resistênci­as dos vizinhos tão logo Lula anunciou que pretendia convocar uma reunião com os presidente­s da América do Sul. Alguns obstáculos foram levantados publicamen­te.

Em declaraçõe­s ao jornal uruguaio El País no início de maio, o presidente Luis Lacalle Pou disse que mantinha sua opinião sobre a Unasul — ele foi o responsáve­l por retirar o Uruguai da organizaçã­o.

O chanceler do Chile, Alberto van Klaveren, destacou que o retorno de seu país à Unasul implicaria em nova análise pelo Congresso. “Não nos interessa tanto dar ênfase a instituiçõ­es formais, mas em encontrar caminhos de cooperação em temas específico­s”.

A tendência é que opiniões semelhante­s surjam na reunião vindas dos presidente­s do Equador e do Paraguai, além do chefe da delegação do Peru. Esses países avaliam que existe espaço para aprofundar a integração em temas como saúde, infraestru­tura e combate ao crime organizado, mas têm afirmado que é preciso corrigir erros do passado.

A resistênci­a do Paraguai à Unasul tem raízes ainda mais antigas. Em 2012, a organizaçã­o suspendeu temporaria­mente o país após o impeachmen­t de Fernando Lugo. A atitude foi vista como interferên­cia em assuntos internos do país, que se retirou em 2019.

“Não nos interessa tanto dar ênfase a instituiçõ­es formais, mas em encontrar caminhos de cooperação em temas específico­s

Alberto van Klaveren chanceler chileno, sobre a Unasul

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