Países resistem a plano para reativar Unasul
Lula quer retomar bloco da ‘era de ouro’ da esquerda sul-americana, mas líderes pedem integração livre de ideologia
brasília O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe nesta terça-feira (30) dez presidentes da América do Sul com o objetivo de relançar as bases da integração regional, mas seu projeto esbarra na resistência de um grupo de países contra a Unasul (União de Nações Sul-Americanas).
Ao longo das negociações que antecederam a reunião, representantes de líderes convidados fizeram chegar ao Itamaraty a mensagem de que não concordam com uma integração regional baseada só na revitalização da Unasul.
Além disso, esses governos defendem que qualquer mecanismo de integração precisa ser “desideologizado” e centrado em uma cooperação pragmática e que sobreviva à alternância de poder.
O principal argumento é que a própria Unasul foi vítima da sua associação com a época de ouro da esquerda sul-americana. O órgão foi criado em 2008 pelos presidentes que então eram os maiores expoentes regionais dessa corrente ideológica: Lula, Cristina Kirchner (Argentina) e Hugo Chávez (Venezuela). O objetivo era criar um mecanismo regional sem a influência dos Estados Unidos.
A aliança, no entanto, foi dinamitada em 2019 por uma coincidência de governantes de direita, entre os quais Jair Bolsonaro no Brasil, Sebastián Piñera no Chile e Mauricio Macri na Argentina. Eles chegaram a lançar uma aliança alternativa, chamada Prosul, que acabou enterrada por novas vitórias eleitorais da esquerda —inclusive a de Lula.
Estarão presentes ao encontro desta terça-feira em Brasília os líderes Alberto Fernández (Argentina), Luís Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Irfaan Ali (Guiana), Mário Abdo Benítez (Paraguai), Chan Santokhi (Suriname), Luís Lacalle Pou (Uruguai) e Nicolás Maduro (Venezuela).
O Peru será representado pelo presidente do chefe do Conselho de Ministros, Alberto
Otárola, pois a presidente Dina Boluarte está legalmente impedida de deixar o país.
Uma nova política de integração da América do Sul sempre esteve entre as prioridades de Lula. E o petista vê a revitalização da Unasul como o caminho mais óbvio para se colocar como o líder desse movimento. O assunto foi abordado em seu discurso de posse no Congresso Nacional.
“Nosso protagonismo se concretizará pela retomada da integração sul-americana, a partir do Mercosul, da revitalização da Unasul e das demais instâncias de articulação soberana da região”, disse. Em abril, o governo oficializou o retorno do Brasil à entidade.
As declarações de Lula ao lado de Maduro, nesta segunda-feira, refletiram as dificuldades de encontrar consenso no tema com os demais países sul-americanos. O petista afirmou que a reunião de terça “não decide nada” e é “apenas uma prospecção de possibilidade”. Afirmou ainda que a própria Unasul teve de ser discutida por mais de quatro anos antes de concretizada.
“A ideia central é que nós precisamos formar um bloco para trabalharmos juntos, na questão econômica, na questão de investimento, do meio ambiente. Acho que isso não é difícil porque temos mais ou menos os mesmos problemas. Então eu penso que vamos ter sucesso amanhã na primeira reunião”, disse Lula.
Celso Amorim, assessor especial da Presidência para política externa, disse à Folha que a intenção do presidente é defender na reunião a adesão dos vizinhos à Unasul, mas de maneira não impositiva. Ele reconheceu que há resistência de países ao ingresso no bloco, mas afirmou que a existência de uma organização facilitaria a cooperação entre os governos, inclusive com aporte de recursos.
O projeto de relançar a Unasul esbarra ainda numa realidade regional bastante mais desafiadora do que a existente em 2008. Além das dificuldades econômicas, há governos submersos em crises de popularidade e que podem ser castigados em seus respectivos próximos ciclos eleitorais.
Além do mais, o organismo está atualmente fora de operação, tendo perdido sua sede em Quito, no Equador. Conta atualmente com apenas sete dos 12 países da América do Sul; somente um acervo documental ainda está conservado.
Negociadores brasileiros começaram a sentir as resistências dos vizinhos tão logo Lula anunciou que pretendia convocar uma reunião com os presidentes da América do Sul. Alguns obstáculos foram levantados publicamente.
Em declarações ao jornal uruguaio El País no início de maio, o presidente Luis Lacalle Pou disse que mantinha sua opinião sobre a Unasul — ele foi o responsável por retirar o Uruguai da organização.
O chanceler do Chile, Alberto van Klaveren, destacou que o retorno de seu país à Unasul implicaria em nova análise pelo Congresso. “Não nos interessa tanto dar ênfase a instituições formais, mas em encontrar caminhos de cooperação em temas específicos”.
A tendência é que opiniões semelhantes surjam na reunião vindas dos presidentes do Equador e do Paraguai, além do chefe da delegação do Peru. Esses países avaliam que existe espaço para aprofundar a integração em temas como saúde, infraestrutura e combate ao crime organizado, mas têm afirmado que é preciso corrigir erros do passado.
A resistência do Paraguai à Unasul tem raízes ainda mais antigas. Em 2012, a organização suspendeu temporariamente o país após o impeachment de Fernando Lugo. A atitude foi vista como interferência em assuntos internos do país, que se retirou em 2019.
“Não nos interessa tanto dar ênfase a instituições formais, mas em encontrar caminhos de cooperação em temas específicos
Alberto van Klaveren chanceler chileno, sobre a Unasul