Folha de S.Paulo

País é palco de luta darwiniana pela sobrevivên­cia de montadoras

- Edward White Correspond­ente de China no financial Times Tradução de Paulo Migliacci

seul | Financial Times No início da década de 1980, Carl Hahn, presidente da Volkswagen, enviou seus engenheiro­s à China para começar a fabricar os sedãs Santana em Xangai. Ao defender a decisão, o chefe disse a seus principais subordinad­os em Wolfsburg que a Volks poderia realizar grandes feitos na China “se formos capazes de explorar seu enorme potencial, ultrapassa­ndo nossos resultados em outros países”.

Hahn, que morreu no começo deste ano, estava certo de duas maneiras. A ascensão da classe média da China criou o maior mercado automotivo do mundo. E a montadora alemã —um dos primeiros grupos estrangeir­os a demonstrar fé na nova China de Deng Xiaoping— desfrutou durante décadas dos bilhões em lucros anuais decorrente­s do fato de ser a marca mais vendida no país.

Sua presciênci­a, no entanto, pode não ter se estendido ao que aconteceri­a quatro décadas mais tarde, quando as empresas chinesas começaram a fabricar carros melhores e de preços mais acessíveis do que seus concorrent­es estrangeir­os.

Para a maioria dos grupos automotivo­s estrangeir­os, os bons dias na China chegaram ao fim. Empresas como Volks, Ford e Toyota foram surpreendi­das na China por duas transições fundamenta­is. Primeiro, o ritmo em que os consumidor­es abandonarã­o o motor de combustão interna. Segundo, a ascensão dos fabricante­s de veículos elétricos chineses.

Estimulado­s pela chegada dos modelos Tesla de Elon Musk, os fabricante­s chineses de veículos elétricos se desenvolve­ram rapidament­e, equipados com software de ponta e apoiados por generosas cadeias de suprimento­s nacionais. Eles agora estão superando os rivais estrangeir­os estacos belecidos em ritmo impression­ante. Está ficando claro para os executivos e analistas do setor que as montadoras estão em uma luta darwiniana pela sobrevivên­cia na China. Apenas um punhado de vencedores, concentrad­os em veículos elétricos, se manterá à tona —o restante naufragará no mercado.

Quase dois terços do número total de veículos de passageiro­s vendidos neste ano no mercado de “veículos de energia nova” foram fabricados por quatro grupos chineses e pela Tesla, de acordo com a Automobili­ty, uma consultori­a de Xangai. Pequim classifica esse mercado como incluindo carros híbridos plug-in e movidos a bateria. Uma única empresa, a BYD, sediada em Shenzhen, que é apoiada pelo grupo de investimen­to Berkshire Hathaway, de Warren Buffett, responde por uma participaç­ão impression­ante de 38% dessas vendas.

Até este ano, a Volkswagen vendeu mais carros do que qualquer outra empresa na China e ainda detém 13% das vendas de veículos com motor de combustão. A BYD agora está posicionad­a para destronar a Volkswagen de sua posição de liderança geral em 2023. Mais importante ainda, em termos de participaç­ão no mercado de veículos elétricos, o grupo alemão ficou em oitavo lugar neste ano, com apenas 2,5% das vendas —e é o único outro grupo estrangeir­o entre os dez primeiros, além da Tesla.

“Antes de essa eletrifica­ção toda acontecer, ninguém sabia quem seria o vencedor”, disse Yuqian Ding, veterano analista do HSBC baseado em Pequim. “A BYD e a Tesla são as vencedoras.”

Para os fabricante­s que ainda tentam ganhar dinheiro com carros de combustão interna na China, o fim está previsto. Quase um em cada três carros vendidos já são veículos elétricos. Uma guerra de preços iniciada pela Tesla no ano passado apenas exacerbou essas tendências.

Bill Russo, ex-comandante da Chrysler na China e agora líder da consultori­a Automobili­ty, diz que a vantagem de preço remanescen­te que os veículos a combustíve­l têm sobre os veículos elétricos está sendo “erodida”.

A consolidaç­ão é o próximo passo provável. Em 2022, cerca de três quartos das vendas de veículos elétricos na China estavam concentrad­as entre as dez marcas de veículos elétricos mais vendidas, de acordo com o HSBC. Isso deixa uma longa cauda de quase 60 marcas de carros elétricos competindo pelos restos. O futuro de dezenas de grupos chineses parece sombrio, sem o apoio do Estado. E a organizaçã­o ecológica Greenpeace previu que, se a taxa de adoção se acelerar para cerca de 70% até 2030, tanto a General Motors quanto a Volkswagen terão uma capacidade ociosa de mais de 2 milhões de unidades na China.

Na década de 1920, o fisiologis­ta norte-americano Walter Bradford Cannon classifico­u as respostas dos seres vivos ao perigo como ou luta ou fuga. Isso agora está sendo discutido nas salas de conselho das montadoras mundiais. Nas últimas semanas, a Volkswagen dobrou o investimen­to de bilhões de dólares em novos veículos elétricos e prometeu produzir carros mais atraentes para os consumidor­es chineses.

A Ford, por outro lado, está reduzindo os gastos na China, uma concessão surpreende­nte por parte de uma empresa que, há apenas uma década, era a sexta maior participan­te do mercado.

Nesse cenário, 2023 está a caminho de ser o primeiro ano em que as marcas chinesas superarão as vendas de carros estrangeir­os na China. Mas as perdas das multinacio­nais na China são apenas o primeiro passo. Contêinere­s carregados com veículos elétricos chineses baratos e de alta tecnologia estão sendo despachado­s dos portos da China em um ritmo tal que o país está prestes a ultrapassa­r o Japão neste ano como o maior exportador de automóveis do planeta.

As montadoras precisam considerar não só a sobrevivên­cia na China mas a batalha pela sobrevivên­cia que enfrentarã­o brevemente em casa.

[ As montadoras precisam considerar não só a sobrevivên­cia na China mas a batalha pela sobrevivên­cia que enfrentarã­o brevemente em casa

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10.abr.23/Xinhua Linha de produção de NEVs (categoria que inclui híbridos e elétricos) na BYD em Shenzhen, na província de Guangdong

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