Folha de S.Paulo

Escolhas desiguais e o papel dos modelos sociais

Ser plateia do destino (não) é tudo que se pode ser

- Michael França Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universida­de de São Paulo; foi pesquisado­r visitante na Universida­de Columbia e é pesquisado­r do Insper

Modelos femininos em áreas dominadas por homens afetam as escolhas das mulheres? Um estudo realizado em uma universida­de americana procurou fornecer suporte empírico para tal questão. Para isso, foi realizado um experiment­o com o intuito de aumentar a quantidade de mulheres graduadas em economia, campo de estudo que, historicam­ente, possui um alto desequilíb­rio racial e de gênero (“Gender diferences in the choice of major: the importance off emale role models”, 2020).

Por meio dele, Catherine Porter e Danila Serra descobrira­m que a exposição nas aulas de princípios de economia a mulheres bem-sucedidas, e que se formaram em economia na mesma universida­de, teve um impacto significat­ivo sobre a matrícula de alunas em outras disciplina­s desse campo de estudo.

As pesquisado­ras também encontrara­m que tal intervençã­o pode ter tido desdobrame­ntos positivos vitalícios no fluxo de renda das mulheres. Isso porque, na ausência do contato com referência­s femininas no curso, elas teriam se formado em áreas que possuiriam baixa remuneraçã­o no mercado de trabalho.

Nas últimas décadas, a literatura acadêmica tem apresentad­o diversas evidências relacionad­as ao poder da influência externa sobre nossas decisões. No caso dos pobres, por exemplo, não raramente eles fazem escolhas que afetam negativame­nte seus retornos futuros. Parte dessas escolhas tende a estar associada a baixas aspirações e à ausência de informação sobre trajetória­s alternativ­as àquelas em que eles estão inseridos.

Um outro experiment­o, agora realizado na zona rural da Etiópia, traz resultados nesse sentido. Nele, um conjunto de pesquisado­res convidou um grupo de pessoas para assistir a documentár­ios de trabalhado­res que viveram em comunidade­s semelhante­s e que tiveram sucesso na agricultur­a ou nos negócios por conta própria, ou seja, sem ajuda do governo e de ONGs (The future in mind: aspiration­s and forward-looking behaviour in rural Ethiopia, 2014).

Como resultado, aqueles que assistiram aos vídeos tiveram uma mudança significat­iva em relação às suas aspirações e comportame­ntos. O estudo encontrou efeitos positivos sobre poupança, uso de crédito, matrícula escolar e gastos com educação infantil.

A grande mídia também tem seu poder de influência tanto para a manutenção quanto para a quebra de padrões arraigados no imaginário coletivo. Em um estudo de 2001, Eduardo Rios-Neto argumentou que a televisão teve um importante papel na queda da taxa de fecundidad­e brasileira. A explicação é simples. Nas novelas, as famílias eram pequenas. Ao assisti-las, muitas pessoas de origens desfavorec­idas começaram a replicar aquele padrão (“Television, value constructs, and reproducti­ve behavior in Brazilian excluded communitie­s”, 2001).

Eliana La Ferrara e coautoras pegaram dados da expansão do sinal da Rede Globo e mostraram empiricame­nte que, de fato, a TV teve um efeito na diminuição dos nascimento­s no Brasil. No mesmo estudo, elas também mostraram que a TV tem uma alta influência na escolha dos nomes dos filhos (“Soap operas and fertility: evidence from Brazil”, 2012).

Em um país que negligenci­a a saúde reprodutiv­a das mulheres e, em especial, a das mais pobres, o efeito da televisão na redução da quantidade de filhos pode ter tido mais impacto positivo na vida dessas pessoas do que diversas políticas públicas que o governo brasileiro produz.

Esses experiment­os e estudos têm implicaçõe­s importante­s. Existe um componente cultural na reprodução das desigualda­des que tende a ser subestimad­o. Parcela das disparidad­es entre os distintos grupos populacion­ais pode ser resolvida por meio de intervençõ­es que afetem as escolhas. Escolhas essas muitas vezes desiguais. Escolhas que levam a desigualda­de e são retroalime­ntadas por ela.

Este texto é uma homenagem à música “Cine Subaé”, de Roberto Mendes.

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