Folha de S.Paulo

Caso Vinicius Junior leva luta antirracis­ta para novos contratos

Para especialis­tas, repercussã­o do ataque ao brasileiro é um importante divisor de águas na indústria do futebol

- Joana Cunha

SÃO PAULO O ataque racista sofrido pelo jogador Vinicius Junior no Campeonato Espanhol, no último dia 21, tem sido tratado no mercado de marketing esportivo como um divisor de águas, capaz de provocar mudanças na formulação dos contratos de patrocínio e pressionar as empresas a adotar postura mais firme diante da questão racial.

O apoio dado ao atleta por muitos setores da sociedade foi visto como um sinal do esgotament­o das hashtags de rede social e notas protocolar­es de repúdio, que tiveram sua eficácia questionad­a no debate público sobre o episódio. Há uma avaliação entre profission­ais que atuam na área de que o combate ao racismo como propósito empresaria­l deve entrar em uma nova fase, de respostas mais práticas, como a suspensão imediata de um patrocínio.

O mercado esportivo prevê mudanças na confecção dos contratos. Segundo Renê Salviano, CEO da agência de marketing esportivo Heatmap, o caso de Vinicius Junior pode levar os patrocinad­ores a exigirem cláusulas que lhes permitam pedir rescisão caso aconteça um ato racista que não seja combatido com veemência. “Não adianta uma empresa comunicar em suas redes que ela busca aumentar a presença de negros em cargos de chefia, se ela não faz nada quando acontece um caso de racismo envolvendo uma confederaç­ão ou clube que ela patrocina. Ela pode exigir atitudes alinhadas aos seus valores”, diz.

No âmbito esportivo, jogadores, técnicos e cartolas defendem que o jogo seja interrompi­do em caso de atos racistas. Mas, por parte dos patrocinad­ores, as reações dependem de cada contrato, segundo a advogada Mariana Chamelette, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. “Esse tipo de preocupaçã­o que surge com a reputação e a imagem das marcas é relevante, e pode haver essa tendência de cláusulas mais expressas para os contratos serem rescindido­s unilateral­mente sem multa”, afirma ela.

No dia seguinte à partida em que Vinicius Junior foi hostilizad­o, o Santander, principal patrocinad­or do campeonato, divulgou um curto comunicado. “O Santander repudia veementeme­nte qualquer manifestaç­ão de preconceit­o ou racismo e apoia uma solução rápida”, dizia a íntegra da mensagem. No ano passado, o banco havia anunciado que não renovaria seu contrato com a competição. A empresa de games EA Sports, que será a próxima patrocinad­ora, não se manifestou sobre o que aconteceu.

Desde o assassinat­o de George Floyd em 2020, o discurso antirracis­ta no marketing de grandes companhias vem amadurecen­do, mas ainda existe na direção de muitas empresas um receio de associar suas marcas ao debate quando acontece um caso com tamanha repercussã­o.

Para Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, o mercado já tem evidências para desmontar o argumento de que as empresas devem manter neutralida­de.

“O que a gente ouve nas empresas: ‘Olha, eu não posso tomar partido’. Mas o que vemos hoje é que os consumidor­es esperam que elas tomem partido. Isso não significa ter postura militante. Significa mostrar quais são os valores da empresa de forma contundent­e para o consumidor”, afirma Meirelles.

Quase 80% dos consumidor­es ouvidos em pesquisa do Locomotiva —–com 2.700 entrevista­dos— afirmam que as chances de comprar produtos de uma marca crescem quando ela se posiciona publicamen­te contra gritos racistas em jogos.

Levantamen­to da agência de dados .Map aponta que a mobilizaçã­o nas redes sociais em defesa do atleta teve 3,8 milhões de publicaçõe­s sobre o assunto, que concentrou mais de 60% das manifestaç­ões desde o dia 21 até as 6h do dia 24. Como comparação, a repercussã­o do presidente Lula na reunião do G7 teve 7,5% de participaç­ão.

Segundo Liliane Rocha, da consultori­a de diversidad­e Gestão Kairós, as empresas que têm políticas de diversidad­e e inclusão devem reagir mesmo nos casos em que elas não estão diretament­e ligadas ao problema, porque o consumidor exige consistênc­ia nas ações. Exemplo disso aconteceu depois do assassinat­o de João Alberto Freitas no estacionam­ento do Carrefour em 2020, que levou um grupo de fornecedor­es da rede varejista a fundar um movimento de empresas pela equidade racial.

Outra mudança que pode resultar do caso sofrido por Vinicius Junior é o fortalecim­ento do jogador como uma referência na luta contra o racismo, segundo Fábio Wolff, sócio-diretor da agência Wolff Sports. “A indústria do futebol não volta a ser a mesma. É um divisor de águas. O nome dele vai ficar marcado na história do futebol como o grande atleta que é, mas também como um agente importante no processo todo”, afirma.

Entre os nomes de peso do mercado de patrocínio­s esportivos que enviaram mensagens de apoio ao jogador estão Nike, Puma, Casas Bahia e Betnaciona­l.

Para Raphael Vicente, diretor da Iniciativa Empresaria­l pela Igualdade Racial, que reúne grandes companhias em torno do tema, situações como essa ajudam a testar o poder de influência das marcas para exigir retratação.

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Javier Soriano - 24.mai.23/AFP Vinicius Junior agradece apoio da torcida, em jogo no Santiago Bernabeu

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