Folha de S.Paulo

Disco revela virtuosism­o de Wanderléa com clássicos do choro

- Renan Guerra

MÚSICA

Wanderléa Canta Choros ★★★★★ Artista: Wanderléa.

Produção: Mario Gil. Gravadora: Selo Sesc. Disponível nas plataforma­s digitais

Desde a infância, Wanderléa sempre foi uma miniestrel­a. Fazia sucesso ao se apresentar para a vizinhança. Por volta dos dez anos, começou a frequentar programas musicais da rádio Mayrink Veiga, onde começou a cantar choros.

Depois, tornou-se a ternurinha da Jovem Guarda, ditou moda e fez uma série de discos que navegaram além do iê-iê-iê. Agora, no entanto, acantorare­tornaaocho­rocom “Wanderléa Canta Choros”, álbum lançado pelo Selo Sesc em um belo reencontro com o clássico gênero brasileiro.

Para a artista, é um resgate afetivo. Já para os ouvintes é a possibilid­ade de ver Wanderléa se debruçar por novos campos sonoros depois de sete anos desde seu último disco cheio —o ótimo “Vida de Artista”, de 2016, em que ela visitava a obra de Sueli Costa.

Com direção e produção musical de Mario Gil e direção artística de Luiz Nogueira, “Wanderléa Canta Choros” destaca a virtuose da voz de Wanderléa, cada vez mais madura, que se mostra também mais segura e ciente de si.

O disco abre com “Delicado”, de Waldir Azevedo e Ary Vieira, com participaç­ão do bandolinis­ta Hamilton de Holanda. Baião de 1950, a faixa é um bonito cartão de visitas do disco, pois traz este diálogo com um sucesso clássico, mas demonstra o registro contemporâ­neo de Wanderléa.

Holanda é fundamenta­l no choro brasileiro moderno, sendo um dos fundadores da primeira escola de choro no mundo e idealizado­r de uma petição ao Congresso Nacional para conceder ao choro um dia nacional, 23 de abril.

“Wanderléa Canta Choros” passa por diferentes momentos, indo do romance a galhofa, sem abrir mão da leveza. “Acariciand­o”, de Abel Ferreira e Lourival Faissal, por exemplo, traz a voz de Wanderléa se derramando em amores e sedução, mesmo com toda a sua melancolia, para que logo na sequência ela caia no baião com “Galo Garnizé”, de Luiz Gonzaga, Antônio Almeida e Miguel Lima.

Destaca-se a presença de “Apanhei-te Cavaquinho”, polca de Ernesto Nazareth, lá de 1914, que ganhou diferentes letras ao longo do tempo. Aqui Wanderléa opta pela versão de Darci de Oliveira e Benedito Lacerda, em um resumo de sua relação com o choro: “Inda me lembro do meu tempo de criança/ quando entrava uma dança toda cheia de esperança [...] e hoje ouvindo neste choro a voz do pinho/ relembrand­o o bom tempinho da mamãe e do maninho”.

Na segunda metade do disco, destaca-se o retorno de “Uva de Caminhão” ao repertório de Wanderléa. Sucesso na voz de Carmen Miranda, a canção de Assis Valente já havia sido gravada pela artista no disco “Maravilhos­a”, de 1972, que virou clássico cult dentro de sua discografi­a, tanto que rendeu show especial na Virada Cultural de 2013. É uma canção interessan­te pelo seu ritmo sincopado, com a voz transitand­o entre o canto e a fala e, em comparação, a voz de Wanderléa parece ainda mais firme nesta nova versão.

“Wanderléa Canta Choros” ainda resgata dois clássicos fundamenta­is de nossa música em versões díspares: “Carinhoso”, de João de Barro, soa bonita na voz de Wanderléa, mas lhe falta algum frescor, deixando uma sensação de déjà vu. Já “Brasileiri­nho”, de Waldir Azevedo e Miguel Lima, é o contrário e pode ser considerad­a o ponto alto do disco, com Wanderléa se mostrando solta e leve em uma canção cheia de meandros e que, regravada à exaustão, poderia soar repetitiva, mas não o é.

Dentre todos os clássicos, o disco se encerra com a inédita “Um Chorinho para Wandeca”, de Douglas Germano e João Poleto, dois nomes importante­s do samba e choro paulistano.

O encerramen­to do disco é excelente, tanto pela ótima letra quanto por ser uma espécie de aceno de Wanderléa para o novo, apontando tanto a sua relação histórica com o choro como também flertando com a vivacidade e modernidad­e deste gênero que ainda resiste.

“Wanderléa Canta Choros” não traz necessaria­mente grandes inovações ao gênero, mas a virtuose do trabalho, bem como o cuidado vocal de Wanderléa, imprime no disco uma marca muito forte de uma artista que entende a sua importânci­a enquanto cantora popular e que sabe usar disso para apresentar repertório­s e expandir diálogos.

[ ‘Wanderléa Canta Choros’ não traz necessaria­mente grandes inovações ao gênero, mas a virtuose do trabalho, bem como o cuidado vocal de Wanderléa, imprime no disco uma marca muito forte de uma artista que entende a sua importânci­a enquanto cantora popular e que sabe usar disso para apresentar repertório­s e expandir diálogos

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