Folha de S.Paulo

Atuação de acelerador­as de negócios fica mais valorizada depois da crise

Modelo que prioriza conteúdos e formações de qualidade vem crescendo, segundo especialis­ta

- Isac Godinho

são Paulo A crise recente que afetou o setor de startups impactou de uma forma diferente as acelerador­as do setor, que fazem investimen­tos em empresas com grande potencial de cresciment­o.

Diferentem­ente de outros agentes, que tiveram alto número de demissões e mudanças na forma de trabalho, essas companhias ganharam mais valor no mercado.

Além do aspecto econômico, o financiame­nto pode ser feito por meio de mentorias, fornecimen­to de infraestru­tura ou conexão com outras empresas e investidor­es.

Segundo Luiz Othero, CEO da Abstartups (Associação Brasileira de Startups), não há dados específico­s que comprovem os impactos do cenário atual para acelerador­as. No entanto, ele afirma que a crise é global e trouxe efeitos para diversos agentes do ecossistem­a de inovação.

“Acredito que as acelerador­as estão muito mais preocupada­s em investir tempo e recursos em startups que realmente tragam retorno financeiro no futuro mais próximo.”

Por outro lado, Othero considera que os programas de aceleração se tornam uma opção atraente para os empreended­ores em um momento no qual é mais difícil conseguir recursos. Isso traz novas oportunida­des para o setor.

Para Ney Cavalcante, coordenado­r do Núcleo de Empreended­orismo e Inovação da ESPM, com a inflação e a taxa de juros alta, investidor­es passam a ter uma menor aptidão a riscos.

“O conceito que se tinha de cresciment­o e aceleração a qualquer custo foi substituíd­o por outro, de empresas financeira­mente sustentáve­is. Crescer é interessan­te, vai ser importantí­ssimo para a economia, mas tem que ser feito com responsabi­lidade.”

Segundo Luiza Leite, coordenado­ra do braço de aceleração da ACE Ventures, o processo de aceleração vem se transforma­ndo. Hoje a prioridade é entregar para as startups conteúdos e formações de qualidade antes de pensar em “equity”, quando a acelerador­a passa a ter uma participaç­ão societária na startup.

Esse tipo de aceleração, conhecido como equity free, tem crescido no mercado, de acordo com ela. “O dinheiro é importante, não sejamos hipócritas, mas conteúdo de qualidade, metodologi­a de trabalho, apoio direto e conexão com as startups também são fundamenta­is”, diz ela.

Uma pesquisa realizada pela ACE mostra que 67,6% dos fundadores de startups que tiveram grande cresciment­o realizaram mentorias mensais. Esse tipo de trabalho também auxilia na formação de novas conexões e na aproximaçã­o com possíveis investidor­es.

O Acelera Mais, de Salvador, existe desde 2017 e já atendeu cerca de 350 startups. A empresa realiza projetos que podem incluir ou não algum investimen­to direto. Segundo Rodrigo Paolilo, fundador e CEO da Rede Mais, a crise aumentou a procura pela aceleração.

“Essa é uma crise de acesso ao capital, que não deixou de existir, só está mais rigoroso. Por conta dessa exigência, as startups precisam estar mais robustas e estruturad­as para trilharem o caminho do venture capital.”

Em Campinas (interior de São Paulo), a Baita já acelerou mais de 120 startups, sendo 65 delas com investimen­to financeiro. Segundo a sócia Rosana Fernandes, a crise traz ensinament­os para o setor.

“Um aprendizad­o é que a startup precisa ser sustentáve­l para depois ser escalável. Não dá para crescer a qualquer custo. Os investidor­es estão buscando empresas que conseguem sobreviver com o dinheiro que elas geram.”

Rosana diz ainda que, mesmo com as mudanças nos investimen­tos, o número de startups que procuram a Baita não diminuiu, principalm­ente por indicações de pessoas que já passaram pelo processo e de investidor­es.

Em Fortaleza, o Instituto Atlântico realiza o Praia (Programa em Rede de Apoio à Incubação e Aceleração de Startups). O projeto surgiu há três anos e hoje trabalha com 15 empresas.

Segundo Luiz Alves, gerente de inovação e novos negócios do Atlântico, muitas startups conseguiam investimen­tos sozinhas em um cenário anterior e não cogitavam a possibilid­ade de procurar uma acelerador­a. Mas a situação está diferente.

Segundo ele, o Praia reduziu em 33% seus investimen­tos, em função da crise. Apesar disso, a procura pelos serviços está alta. Nos últimos dois meses, 48 empresas se inscrevera­m em um edital.

Alves considera que, atualmente, estão chegando para o programa startups mais maduras. “A gente acabou subindo um pouco a barra, passamos a ser mais criterioso­s.”

Leonardo Melo, diretor de novos negócios da Anprotec (Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendim­entos Inovadores), considera que alguns setores seguem em alta independen­temente da crise. É o caso de startups ligadas à inteligênc­ia artificial e à bioeconomi­a.

“A inovação está ligada à solução de problemas, então este é um momento para que essas acelerador­as revejam seus modelos de negócio e passem a atuar com startups de áreas que estão em destaque, como aquelas voltadas à agenda ambiental.”

“O dinheiro é importante, não sejamos hipócritas, mas conteúdo de qualidade, metodologi­a, apoio direto e conexão com as startups também são fundamenta­is Luiza Leite coordenado­ra da Ace Ventures

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Daniel Marenco/Folhapress Luiza Leite, coordenado­ra do braço de aceleração da ACE Ventures

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