Folha de S.Paulo

O silêncio estratégic­o

- José Manuel Diogo Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos Hoje, excepciona­lmente, não é publicada a coluna de Txai Suruí

O silêncio sobre o tema “imigração” na estratégia eleitoral dos líderes dos dois principais partidos de Portugal, o Partido Socialista (PS) e o Partido Social Democrata (PSD), é irresponsá­vel e decorre de uma série de fatores complexos.

Depois de uma sequência de polêmicas e instabilid­ades, o premiê António Costa renunciou ao ver-se como suspeito em um caso de corrupção e após o presidente não ter aceitado uma solução sem recurso a eleições antecipada­s.

Essa instabilid­ade, com escândalos, demissões no governo e conflitos públicos com Marcelo Rebelo de Sousa, contribuiu para desviar a atenção de temas como a imigração. Mas isso não significa que o compromiss­o com o acolhiment­o de estrangeir­os, principalm­ente brasileiro­s, vá diminuir após a votação, em 10 de março.

O ambiente político passa por uma transição, com cinco dos oito partidos com assento parlamenta­r concorrend­o com novas lideranças —além de PS e o PSD, a Iniciativa Liberal, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista.

Essa renovação de lideranças está na origem da reavaliaçã­o das prioridade­s e estratégia­s eleitorais, em que temas como a imigração podem não ter sido vistos como centrais na agenda política dos partidos do arco do poder.

Para a envelhecid­a população —cerca de metade dos 2,4 milhões de votos que os socialista­s obtiveram em 2021 são de eleitores com mais de 54 anos—, a ausência de uma discussão abrangente sobre imigração reflete mais cautela política que opção estratégic­a.

Apesar do grande aumento de casos de xenofobia, cujas análises devem levar em consideraç­ão o recorde histórico de brasileiro­s no país, o governo até tem sido elogiado por suas políticas de acolhiment­o e integração. A criação do sistema de mobilidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) dá prova disso.

Na atual situação política, marcada pela crise e a subsequent­e reorganiza­ção do espectro político, os líderes partidário­s estão concentran­do suas estratégia­s em questões que consideram mais imediatas e menos divisivas para o eleitorado, buscando estabiliza­r o cenário antes de tratar de temas polarizado­res como a imigração.

A abordagem cautelosa que Luís Montenegro (PSD) e Pedro Nuno Santos (PS) —um dos dois será o próximo premiê— têm em relação à imigração nesta campanha deve ser vista como uma questão tática, não como declaração política.

Os brasileiro­s que vivem em Portugal, um contingent­e recorde, não têm por que sentir perigo com esse silêncio dos candidatos à cadeira do poder.

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