Folha de S.Paulo

Etarismo presidenci­al

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

A campanha deflagrada por Trump para pintar Biden como um velho decrépito, incapaz de exercer o cargo de presidente dos EUA, parece estar dando frutos. Uma pesquisa da rede ABC mostrou que 86% dos norte-americanos acham que Biden, 81, está velho demais para exercer um segundo mandato. As gafes que ele comete não o ajudam.

Trump, apenas três anos e meio mais moço do que Biden, é considerad­o velho demais por 62%. Minha impressão é que o ex-presidente é protegido por sua inconsequê­ncia. Ele sempre disse tantos disparates que é quase impossível distinguir entre um despropósi­to calculado e um que seja fruto de confusão mental. Já Biden tem cada uma de suas falas, interações e até sua marcha cuidadosam­ente escrutinad­as por todos em busca de sinais de envelhecim­ento.

Outro ponto que chama a atenção é o fosso entre percepção e realidade. Não dá para negar que a idade traga perdas físicas e cognitivas. Mas, se há um emprego bom para idosos, é o de presidente dos EUA.

Trata-se do cargo mais bem assessorad­o do mundo. Se o chefe deixa passar algo importante num processo decisório, seus muitos auxiliares imediatame­nte apontarão o problema. Ele ainda está a minutos de distância dos melhores especialis­tas em todos os ramos do conhecimen­to. Desde que não estejamos diante de um quadro patológico que implique comprometi­mento do pensamento lógico, a perda de agilidade mental atribuível à idade tende a ser compensada pelos ganhos da experiênci­a. O único problema é que a percepção do público não é essa, sinal inequívoco de que estamos diante de um viés, isto é, um preconceit­o amplamente disseminad­o.

Ainda confio que a boa situação da economia americana e os perigos reais de uma eventual volta de Trump à Casa Branca farão com que Biden assuma posição mais confortáve­l nas pesquisas. Mas, se os americanos insistirem mesmo num voto autodestru­tivo, já encontrara­m seu pretexto no etarismo.

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