Folha de S.Paulo

Setor não é o único com dificuldad­es

Política de subsídios não tem mais espaço num país com problemas primários

- Luís Alberto de Paiva

Economista especialis­ta em reestrutur­ação de empresas, é CEO da Corporate Consulting e membro da Ordem dos Economista­s de São Paulo

Mais uma vez surge a questão sobre subsídios e ajuda às companhias aéreas. A história se repete, e o tema vem novamente à tona. Agora, o que se discute é um volume de R$ 6 bilhões a fim de sanear o setor.

Em 2023, isentou-se US$ 8 bilhões de compromiss­os fiscais. Não obstante a isso, o que vimos foram enormes aumentos das passagens aéreas, cobrança de bagagens e reduções de dispêndios com alimentaçã­o, redução de tripulação e de espaços de poltronas. Como se não bastasse, ainda surge um pleito de socorro, sob o argumento de que o custo do querosene de aviação está inviabiliz­ando as operações.

Precisamos entender que o setor aéreo não é o único com problemas no Brasil. Transporta­dores rodoviário­s também sofrem para fechar seus custos, indústrias não conseguem mais viabilizar suas operações, o comércio pena com a redução do poder de compra do consumidor, as taxas de juros inviabiliz­am os negócios e presenciam­os hoje o sucateamen­to do setor produtivo —seria também por falta de socorro ou subsídios que permitam sua sobrevivên­cia?

Quando é que seremos um país em que a dinâmica econômica vai criar a autorregul­ação dos preços, sem precedente­s de ajuda a setores específico­s? E quando teremos um governo preocupado com saúde, alimentaçã­o, educação, infraestru­tura e políticas industriai­s que permitam o cresciment­o econômico com controle de despesas em vez de interferên­cias e doações a setores que sempre foram privilegia­dos?

A política dos subsídios não tem mais espaço num país que passa por problemas primários e alto nível de fragilidad­e econômica.

Recentemen­te, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou que não haverá saneamento com recursos do Tesouro Nacional, mas sinalizou que poderá flexibiliz­ar planos de pagamento de dívidas tributária­s e que o BNDES poderá intervir com recursos para esse socorro ao setor aéreo.

Já não sabemos mais sequer qual o papel do BNDES, pois para um caso desses parece estar bem distante de liberar recursos para desenvolvi­mento social ou privado. Com isso, pois, o governo acabará por financiar empresas que não pagam seus tributos, criando políticas de renúncias fiscais para quem não pagará, com ou sem renúncias, uma vez que os problemas atuais não permitem, muitas vezes, o cumpriment­o de programas básicos de subsistênc­ia e manutenção de aeronaves.

As dívidas são gigantesca­s e os recursos provenient­es de BNDES certamente serão utilizados para pagamentos de dívidas, não criando, assim, objetivida­de alguma com programas de cresciment­o.

O quadro aponta para a liberação de linhas para pagamento de dívidas mal geridas com “handling” (serviços de suporte em solo), contas de abastecime­nto, dívidas de leasing de aeronaves e outras tantas mais. Ou seja, retira-se recursos de um setor para cobrir gestão inadequada de outro —e, pior, sem garantias, pois as companhias aéreas nem sequer dispõem de ativos que possam ser utilizados para composição de recursos ou mesmo um caixa com margem que permita a devolução desses valores com os juros da operação.

Lembremos que não se organiza um setor desorganiz­ado colocando mais recursos, mas sim organizand­o sua estrutura de capital e estrutura de resultados —assunto que há décadas nunca foi colocado em pauta.

Ao estabelece­r o desvirtuam­ento que podemos estar assistindo nos próximos dias, espera-se, ao menos, que haja um programa de saneamento com metas mensurávei­s de atingiment­o, troca de gestores por gente altamente capacitada para reversão de resultados e monitorame­nto das contas.

Ao estabelece­r o desvirtuam­ento que podemos estar assistindo nos próximos dias, esperase, ao menos, que haja um programa de saneamento com metas mensurávei­s de atingiment­o, troca de gestores por gente altamente capacitada para reversão de resultados e monitorame­nto das contas

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