Morte de ativista é testemunho da fossilização política no país
A morte de Alexei Navalni numa cadeia nos confins do Ártico agrega elementos de dramaticidade à vida política russa, mas por ora nada sugere que criará grandes embaraços domésticos para o governo de Vladimir Putin.
Isso pode parecer contraditório quando se lembra do poder de mobilização do ativista, expresso nas manifestações de 2017 e nos protestos reprimidos após sua prisão em 2021, mas reflete a realidade de uma sociedade imersa num sistema político fossilizado em torno da figura do presidente.
Claro, as flores depositadas junto aos monumentos às vítimas da repressão soviética em homenagem a Navalni podem prenunciar atos maiores, mas eles estão fadados à repressão policial. Se antes da Guerra da Ucrânia ela já era previsível, sob leis severas contra o dissenso vira uma inexorabilidade.
Por ora, abundam atos na Europa —se algo de peso ocorrer de forma sustentada na Rússia, aí Putin terá à frente um problema muito maior do que o motim de mercenários contra a cúpula militar de 2023.
A morte de Navalni simboliza o falecimento da mais recente noção de oposição na Rússia putinista. A ossificação política do país impede a ascensão de rivais reais dentro do sistema partidário, ainda que alguns existam e sejam tolerados desde que não coloquem as mangas de fora.
Basta ver o caso do ex-deputado Boris Nadejdin. Ele ia disputar o Kremlin contra Putin daqui a um mês —sem chances, mas como um opositor legítimo. Bastou amealhar alguns apoios, com o acirramento de seu discurso contra o Kremlin, para ver sua candidatura vetada sob alegação de erros técnicos.
Navalni sabia disso. Após surgir como estrela secundária em protestos contra a volta de Putin à Presidência em 2012, o blogueiro anticorrupção teve quase 30% dos votos e chegou em segundo lugar na disputa pela prefeitura moscovita, uma façanha.
Não teve mais espaço na política organizada. Restou inovar e se voltar mais ao ativismo virtual, denunciando corrupção em vídeos, culminando nas jornadas de 2017.
Achou que isso o credenciaria a desafiar Putin no pleito de 2018, ocorrido antes da Copa do Mundo. Acabou desqualificado devido à sentença suspensa que havia recebido por um caso obscuro de corrupção regional, que ele sempre disse ser uma farsa.
Ele nunca recebeu, contudo, mais do que 5% de intenções de voto. O calvário do envenenamento e da prisão na volta à Rússia o mantiveram em evidência, mas aí ele repetiu o que ocorrera a outros opositores de Putin, como o enxadrista Garry Kasparov: ganhou mais fama no exterior do que em casa.
A necessidade de achar uma nêmesis para Putin, o pária preferido do Ocidente, acabou por higienizar a imagem de Navalni: pouco se lerá sobre a xenofobia assumida contra imigrantes e muçulmanos, as piadas misóginas, os flertes com a extrema direita e o depois mitigado desejo de manter russa a Crimeia.
Ao fim, Navalni foi devorado por um sistema prisional conhecido pela brutalidade desde tempos imperiais. Independentemente da causa de sua morte, ele entra no panteão de mártires do putinismo, restando saber se isso será algo mais do que um testemunho da realidade que combatia.
A morte de Navalni simboliza o falecimento da mais recente noção de oposição na Rússia putinista. A ossificação política do país impede a ascensão de rivais reais dentro do sistema partidário, ainda que alguns existam e sejam tolerados
IG