Folha de S.Paulo

Blinken vende alternativ­a à China

Diplomata busca desfazer imagem de que Washington é parceira difícil

- Igor Patrick Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universida­de de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universida­de Tsinghua

Desde que Lula deu os primeiros passos de seu terceiro mandato na diplomacia global, tenho reforçado aqui na Folha que um entendimen­to distorcido dele acerca de como o mundo tinha mudado desde 2010 vinha minando a possibilid­ade de o Brasil arrancar vantagens de Estados Unidos e China na busca de ambos por influência.

Bem, talvez eu esteja parcialmen­te errado, e a agenda de Antony Blinken, secretário de Estado americano que visita o Rio de Janeiro e Brasília na próxima semana, evidencia isso.

Não me entendam mal, é claro que há muito a ser explorado por Brasília na sua relação com os EUA. Os americanos ainda figuram no topo da lista quando o assunto é investimen­to estrangeir­o direto, em termos de defesa ainda figuramos com aliado prioritári­o extra-otan, e os dois países têm agendas comuns importante­s como a transição energética e a proteção do direito aos trabalhado­res. Mas as avenidas de colaboraçã­o têm se tornado cada vez mais estreitas.

Ao contrário do que foi o caso nos tempos áureos do século 20, não há clima político em Washington para atuar como financiado­r de projetos em infraestru­tura. Joe Biden pouco pode fazer também em termos de doação sem a bênção de um Congresso dividido e paralisado por questões domésticas.

Além disso, diferentem­ente da China, onde o governo tem influência e participaç­ão acionária na maioria das grandes empresas nacionais, o governo americano também tem pouco poder ao dizer para o mercado privado onde colocar capital. É por coisas assim que a Ford dá adeus ao Brasil e sua fábrica na Bahia acaba nas mãos da chinesa BYD.

O que resta então? Cooperação político-diplomátic­a, quando os EUA foram os únicos responsáve­is pelo veto a uma resolução brasileira na ONU que pedia pausas humanitári­as em Gaza? Negociaçõe­s robustas pelo clima, quando Donald Trump promete sair furando novos poços de petróleo no primeiro dia de um potencial segundo mandato (e com este discurso convence metade da população)?

Talvez a verdade seja que, a despeito da ocasional desconexão do Itamaraty com a dinâmica de uma “quase nova Guerra Fria”, os EUA estejam aos poucos se tornando uma potência com quem é difícil trabalhar. A agenda americana foi tão engolida pela política doméstica e por duas guerras catastrófi­cas que, exceto pelo foco na contenção da China na região do Indo-pacífico e um mirrado apoio aos parceiros europeus contra a Rússia, resta pouco a oferecer.

Há anos, líderes no Sul Global reclamam jocosament­e que voltam de Pequim com acordos de investimen­to e tratados comerciais, enquanto em Washington recebem uma palestra sobre democracia e respeito aos direitos humanos —duas coisas, aliás, que vêm faltando, e já não é de hoje, aos próprios EUA.

O pragmatism­o chinês, por outro lado, vem acompanhad­o de uma abordagem muito mais direta ao ponto.

Em conversa com jornalista­s na sexta (16), oficiais do Departamen­to de Estado americano disseram que, ao passar pelo Brasil para a reunião ministeria­l do G20 sediada no Rio, Blinken queria mostrar que “os EUA ainda servem como opção poderosa e abrangente a parceiros que nem sempre levam o interesse de outras nações em consideraç­ão”.

Se a frase cifrada fizer referência à China, tenho minhas dúvidas do sucesso deste discurso no Brasil. Em bom inglês que é para gringo entender: menos papo, “show us the money”.

| dom. Sylvia Colombo | ter. Mundo Leu | qui. Lúcia Guimarães | sáb. Igor Patrick

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