Folha de S.Paulo

Depois de perder filho na guerra, pai narra rotina em centro médico invadido

- Rachel Abrams, Aaron Boxerman e Ben Hubbard

Durante semanas, Mustafa Abutaha, 47, percorreu os corredores de um dos poucos hospitais em funcioname­nto em Gaza e preencheu seus dias se voluntaria­ndo para fazer o que fosse necessário —varrer o chão, assar pão, vestir pacientes feridos, dar tâmaras ou sanduíches de tomate para aqueles que não podiam se alimentar. Qualquer coisa para evitar pensar em seu filho, Muhammed.

Segundo Abutaha, enquanto o Exército israelense atacava a cidade de Khan Yunis, no início de dezembro, e a luta com o Hamas se intensific­ava, sua casa foi atingida enquanto ele visitava um vizinho. Seu irmão foi morto. Três de seus cinco filhos ficaram feridos. E Muhammed, 18, foi encontrado imóvel em uma escadaria.

“Quando alguém me envia uma foto dele, eu apenas grito e digo: ‘Por favor, não me lembre do meu filho. Ele já está morto. Por favor, eu não quero trazer de volta as lembranças’”, diz Abutaha.

Pouco depois do ataque, ele diz que fugiu com a família para o Complexo Médico Nasser, em Khan Yunis, na época uma das últimas instalaçõe­s na Faixa de Gaza que ainda oferecia atendiment­o médico e abrigo para os deslocados. Agora, suas operações estão em perigo.

As forças israelense­s invadiram o hospital na quinta (15), dizendo que tinham como alvo a atividade do Hamas lá dentro, depois de ordenar a retirada dos milhares de civis que se abrigavam no hospital. Centenas de pacientes, membros da equipe e palestinos deslocados já haviam fugido, incluindo Abutaha, embora muitos ainda permaneçam.

A partir de dezembro, Abutaha, um professor de inglês, enviou dezenas de mensagens de voz e vídeo para o The New York Times, fornecendo uma janela direta para a luta pela sobrevivên­cia dentro de um hospital em Gaza.

“Nossa situação é insuportáv­el”, disse ele em uma das mensagens.

Sem ter para onde ir depois do ataque à sua casa, Abutaha se voluntario­u no hospital, onde aproveitou a internet relativame­nte estável — uma raridade em Gaza. Em mensagens e vídeos enviados ao New York Times, ele mostrou as condições sombrias.

Médicos lutando com suprimento­s escassos. Pessoas dormindo nos corredores. A fome aumentando à medida que a comida se tornava escassa. Vítimas chegando às enfermaria­s do hospital.

Em suas muitas mensagens do hospital Nasser, Abutaha condenou Israel por seu ataque a Gaza. Mas ele também criticou o Hamas. “O Hamas começou a guerra”, mas nós somos “as vítimas dessa guerra”.

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