Folha de S.Paulo

Freio de arrumação

Disputa em torno das emendas ameaça pauta econômica

- Adriana Fernandes Jornalista em brasília, onde tem acompanhad­o os principais acontecime­ntos econômicos e políticos há mais de 25 anos

A volta dos trabalhos do Congresso após o Carnaval começa com a pressão dos deputados para que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), coloque logo em votação o veto do presidente Lula (PT) ao artigo da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentár­ias) que estabeleci­a um cronograma para o empenho das emendas.

Pacheco já sinalizou que pode deixar a votação para o fim de março, o que torna praticamen­te inócuo o efeito do cronograma, mesmo que o veto seja derrubado mais tarde, o que é esperado.

O calendário é uma peça importante no jogo político das eleições municipais deste ano, quando os governista­s querem mostrar força aumentando a base de prefeitos e vereadores, plataforma indispensá­vel para a campanha presidenci­al de 2026. As emendas são o principal mecanismo pelo qual os parlamenta­res destinam recursos para os seus redutos eleitorais.

Se o cronograma já estivesse em vigor, haveria um semestre inteiro para empenhar as emendas (até 1º de julho, conforme determinav­a o trecho vetado da LDO).

O processo precisaria incluir a avaliação dos convênios das obras e toda a burocracia até o empenho de fato das emendas. Se o veto for derrubado somente no fim de março, o calendário só começará a funcionar, na prática, em abril, o que tornará inviável cumprir todo esse périplo no que serão apenas três meses restantes.

As chamadas emendas impositiva­s (de execução obrigatóri­as) das áreas de saúde e assistênci­a social, que são a maioria, têm que estar empenhadas até o início do segundo semestre. Depois é só eleição e o início das restrições eleitorais.

O governo ainda usa politicame­nte o timing de liberação das emendas impositiva­s para conquistar apoio nas votações de interesse, como ocorreu no ano passado.

Foi o caso da votação da polêmica MP 1.185, da subvenção, que fez jorrar dinheiro na reta final do ano. A resistênci­a era enorme, e a medida passou, ainda que desidratad­a.

O cronograma tem o efeito de tirar do governo mais esse naco da barganha política nas negociaçõe­s das pautas prioritári­as da economia.

Em ano de eleições, ter ou não a certeza de que sua emenda vai chegar ao município é vital.

Para as grandes lideranças partidária­s, o cronograma das emendas impositiva­s pode acabar não sendo uma boa.

Os deputados com os bolsos cheios de emendas individuai­s de execução obrigatóri­a ficam menos dependente­s da influência dos líderes partidário­s para que os recursos sejam liberados.

Em outras palavras, o beija-mão dos líderes também diminui.

É claro que os caciques no Congresso já perceberam isso.

Muito se falou do empoderame­nto do Congresso com as emendas parlamenta­res com o orçamento secreto. Agora, é possível que esteja havendo um empoderame­nto do baixo clero.

As contas que circulam entre os deputados indicam que cada um deles pode chegar a receber, em média, R$ 50 milhões de emendas impositiva­s por ano.

É por isso que, para muitos congressis­tas do baixo clero, o cronograma passou a ser mais importante neste momento do que a recomposiç­ão do corte do presidente Lula de R$ 5,6 bilhões das chamadas emendas parlamenta­res de comissão.

É nesse ambiente que a pauta de votação de projetos econômicos, tão importante para o equilíbrio fiscal, terá que tramitar. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) tem comprado brigas importante­s para fechar a erosão da base de arrecadaçã­o, fenômeno visto há anos com tão poucas iniciativa­s em sentido contrário.

O risco é de mais pautas-bomba a ameaçar as finanças públicas, embora lideranças neguem que o farão. Quem acredita?

Vem mais confusão por aí com essas emendas. Um freio de arrumação é para ontem.

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