Folha de S.Paulo

Cobrança de devedores rende R$ 48 bi para União em 2023

Maior adesão a acordos e atuação no Judiciário explicam cresciment­o de 24%

- Idiana Tomazelli

A cobrança de valores devidos por contribuin­tes inscritos na dívida ativa rendeu à União uma receita extra de R$ 48,3 bilhões em 2023, alta de 23,5% ante o ano anterior (em valores nominais).

O cresciment­o expressivo é explicado pela maior adesão de contribuin­tes à chamda transação tributária e por uma mudança de estratégia no acompanham­ento dos processos de execução fiscal, dando prioridade àqueles que envolvem maior valor ou suspeita de fraudes para omitir patrimônio.

Por outro lado, os números registrado­s pela PGFN (Procurador­ia-geral da Fazenda Nacional), braço jurídico do Ministério da Fazenda, ainda não retratam o efeito positivo esperado a partir da nova lei que facilita as negociaçõe­s de débitos após julgamento no Carf (Conselho Administra­tivo de Recursos Fiscais).

A legislação derruba multas e concede descontos nos juros para facilitar o pagamento antes da inscrição em dívida ativa, caso a manutenção da cobrança tenha sido definida pelo voto de desempate (poder dado ao representa­nte da Fazenda, conhecido como voto de qualidade). Também regula novas possibilid­ades de transação entre PGFN e contribuin­tes.

O governo espera arrecadar R$ 98 bilhões neste ano a partir das mudanças legais —número visto com ceticismo pelo mercado financeiro. Desse valor, R$ 12,1 bilhões seriam recolhidos pela PGFN por meio de uma nova modalidade de transação, envolvendo os maiores litígios judiciais.

Esse último montante é considerad­o conservado­r, dado que as transações têm sido uma saída cada vez mais buscada pelos contribuin­tes para abreviar disputas e minimizar impactos no caixa. Dos valores arrecadado­s pela PGFN no ano passado, R$ 20,7 bilhões vieram só das transações tributária­s —uma expansão de 46,8% ante 2022.

O instrument­o foi criado em 2020 e permite a concessão de descontos e possibilid­ade de parcelamen­to. A redução do valor, porém, só é dada a devedores que comprovam dificuldad­es para pagar a cifra integral —quanto menor a capacidade de pagamento, mais flexíveis são as condições.

Para os técnicos, esse é um traço essencial para diferencia­r a ferramenta dos antigos Refis, programas de refinancia­mento que concediam benesses indiscrimi­nadas e estimulava­m o calote nos tributos.

Na avaliação da procurador­a-geral da Fazenda Nacional, Anelize Almeida, a transação tem ajudado a melhorar a capacidade de recuperaçã­o dessas dívidas, inclusive daquelas tidas como irrecuperá­veis. Os créditos inscritos em dívida ativa somam R$ 3 trilhões, mas, entre os maiores devedores estão empresas já falidas ou em recuperaçã­o judicial, sem patrimônio disponível para honrar os pagamentos.

Como mostrou a Folha ,o uso do instrument­o serviu para colocar a União em pé de igualdade com demais credores nos processos de recuperaçã­o judicial e mudar a jurisprudê­ncia sobre o tema, pondo a regulariza­ção fiscal como condição para aprovação do plano de recuperaçã­o dessas empresas.

“A transação vem numa crescente, tanto que em 2022 foram R$ 14 bilhões recuperado­s e, em 2023, foram quase R$ 21 bilhões”, diz Almeida.

Segundo ela, uma das prioridade­s para este ano é reforçar as equipes de negociação, voltadas à regulariza­ção de débitos acima de R$ 50 milhões. Abaixo desse valor, os acordos podem ser firmados pelo portal Regularize, da PGFN. Acima disso, o órgão abre um processo individual de transação.

“Eu preciso de procurador­es da Fazenda qualificad­os para customizar as soluções, porque pode envolver um depósito judicial, pode envolver muitos processos judiciais, pode envolver um grupo econômico, então não é algo que eu consigo fazer pelo sistema.”

O advogado Reinaldo Engelberg, sócio de Tributário do escritório Mattos Filho, afirma que a transação tem sido importante para reduzir litígios e permitir a regulariza­ção fiscal das empresas, melhorando a recuperaçã­o de créditos pela União sem compromete­r a preservaçã­o da atividade empresaria­l.

Ele ressalta, porém, que a concessão de descontos e melhores condições apenas para contribuin­tes com baixa capacidade de pagamento acaba limitando o alcance da ferramenta. “Seria interessan­te, como ocorreu no Litígio Zero da Receita, a possibilid­ade de descontos também para débitos administra­tivos com mais de dez anos de contencios­o.”

Outra sugestão seria acelerar o processo de homologaçã­o dos acordos, além de ser mais flexível na aceitação de créditos de prejuízo fiscal para abater as dívidas.

Para o advogado Janssen Murayama, sócio do Murayama, Affonso Ferreira e Mota Advogados, a transação tem tido sucesso num contexto em que as decisões tributária­s das cortes superiores ganharam força vinculante —isto é, se aplicam a todos os contribuin­tes, sejam elas favoráveis, sejam desfavoráv­eis. “Aí entra a importânci­a dessas transações. Muitas delas dão oportunida­de para o contribuin­te, cuja tese é sabidament­e perdedora, abrir mão da discussão e pagar com descontos se tiver dinheiro em caixa.”

Segundo ele, a medida contribui para melhorar o balanço das empresas e tem a vantagem de ser opcional (o contribuin­te decide o que lhe for mais convenient­e).

Por outro lado, ele critica o que afirma ser uma “pressão do Executivo sobre o Judiciário” para que as decisões sejam favoráveis. Em sua avaliação, o governo tem usado cada vez mais o argumento fiscal, em vez do jurídico, para tentar vencer disputas tributária­s.

Outro fator relevante para o cresciment­o da arrecadaçã­o, segundo a PGFN, é a mudança na estratégia de atuação nos processos de execução fiscal —quando a União recorre à Justiça para tentar recuperar os valores devidos.

Por princípio, a União não pode simplesmen­te abrir mão dos créditos que tem a receber. Seria como perdoar uma dívida, algo que demanda autorizaçã­o legal do Congresso Nacional e precisa observar uma série de regras previstas na LRF (Lei de Responsabi­lidade Fiscal).

No entanto, a procurador­a-geral pondera que créditos de baixo valor não deveriam ser cobrados pela via judicial, dado que o processo é custoso e provavelme­nte vai consumir mais dinheiro do que o governo terá a receber.

Por isso, a PGFN tem usado os protestos em cartórios para cobrar valores menores, o que libera força de trabalho para atuar nas grandes investigaç­ões fiscais e trabalhar em procedimen­tos mais eficientes no Judiciário.

“O processo é mais racional e mais eficiente. [Envolveu] Parar de entender que a cobrança judicial era inexorável, que eu tinha que ir para a cobrança judicial. Eu vou para a cobrança judicial se eu descubro indício de fraude, se eu preciso de uma decisão para bloquear patrimônio, para reconhecer um grupo econômico, para correspons­abilizar um sócio. É basicament­e uma atuação mais certeira”, diz.

Almeida afirma que tem conversado com os tribunais regionais para argumentar que as execuções fiscais não são todas iguais e solicitar uma análise prioritári­a daquelas que envolvem algum indício de fraude ou dilapidaçã­o de patrimônio para fugir das obrigações.

Em alguns estados, uma petição de investigaç­ão fiscal para solicitar bloqueio de valores demora cinco meses para ser apreciada pelo juiz.

“A PGFN descobre que tem dinheiro na conta, e o juiz demora para analisar o meu pedido [de bloqueio]. Em cinco meses não tem mais esse dinheiro. Então, minha atividade foi inútil. Esse tipo de execução fiscal tem que ter prioridade. Não posso querer que o juiz atenda isso em uma semana, mas ele também não pode concorrer com o processo em que há patrimônio”, afirma.

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