Folha de S.Paulo

Governo quer plano de revisão de gasto e evita a palavra ‘corte’

Objetivo de programa é atacar despesas ineficient­es sem acirrar impacto político da redução de verbas

- Adriana Fernandes e Idiana Tomazelli

O governo estuda a criação de um programa formal para a revisão de gastos públicos. A proposta, elaborada pela equipe da ministra Simone Tebet (Planejamen­to e Orçamento), já está pronta e deve ser apresentad­a na próxima semana ao ministro Fernando Haddad (Fazenda).

A ideia é incluir o programa já no PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentár­ias) de 2025, que será enviado em 15 de abril ao Congresso Nacional, para que as medidas de revisão sejam incorporad­as na elaboração da proposta orçamentár­ia e possam entrar em vigor no ano que vem.

Ainda não foi decidido se o texto do PLDO vai incluir todos os detalhes do programa ou apenas um comando geral para sua previsão na LOA (Lei Orçamentár­ia Anual). Integrante­s do governo a par das discussões afirmaram à Folha que há divergênci­as em de qual dos dois caminhos seguir.

O diagnóstic­o da área econômica é que a situação fiscal não será fácil em 2025, dado um aumento já contratado em despesas obrigatóri­as, e que o governo precisará tirar o programa do papel para conseguir fechar o Orçamento.

O ponto central da discussão é que a economia obtida com as ações teria de ser suficiente para acomodar todas as despesas programada­s pelo governo.

Para os técnicos, há prós e contras em incluir o programa inteiro já no PLDO. Por um lado, há a avaliação de que retirar depois alguma política incluída no programa terá um custo elevado para o governo —o que acaba dando força ao processo de revisão.

Por outro lado, há quem afirme que o governo compraria uma briga grande de imediato em abril e que seria melhor esperar para enfrentar o tema de maneira mais firme no final de agosto, no envio do projeto do Orçamento. A revisão de gastos começaria, na prática, em 2025.

O tema é politicame­nte sensível para o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) porque é associado a cortes de políticas públicas, ainda que sejam despesas considerad­as ineficient­es dos ministério­s.

Aliados políticos alertaram o presidente da República para o risco de adotar medidas impopulare­s que possam levar a cortes de gastos com efeito recessivo sobre a atividade econômica.

O fato de ser ano de eleições municipais, no qual o PT busca ampliar o número de prefeitos e vereadores, também não ajuda.

Os técnicos já eliminaram a palavra “corte” do vocabulári­o nas discussões para não aumentar as resistênci­as. A ordem é usar sempre a palavra “revisão”.

O projeto vai reforçar o papel do CMAP (Conselho de Monitorame­nto e Avaliação de Políticas Públicas). A ideia é que as reuniões do órgão sejam mais transparen­tes, com a pauta das reuniões que debatem a revisão divulgadas publicamen­te.

O conselho já funciona fazendo avaliações das políticas públicas, mas não conseguiu tirar nada do papel no primeiro ano do governo Lula. A criação de um programa formal daria mais força para a implementa­ção da medida, na avaliação dos defensores da iniciativa.

A demora em avançar nessa pauta tem causado desconfort­o na equipe de Tebet, que assumiu o cargo tendo essa pauta como uma bandeira. Ela chamou um dos maiores especialis­tas em avaliação de gastos do país, o economista Sergio Firpo, para comandar a secretaria responsáve­l por implementa­r a revisão.

Até agora, o governo tem apenas uma tentativa declarada de revisão de gastos, focada nos benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

O Executivo incluiu uma economia de R$ 12,5 bilhões no Orçamento, valor colocado como uma espécie de meta —se não for atingida, será preciso cortar de outros lutorno gares para repor o pagamento dos benefícios.

Um grupo de trabalho foi criado para colocar em marcha o processo de revisão dos benefícios, mas os números estimados são vistos com ceticismo por economista­s de fora, para quem o governo subestima despesas ao incorporar esses valores ao Orçamento.

Outras áreas já estão no radar dos formulador­es do programa.

Como mostrou a Folha ,o governo discute a possibilid­ade de fixar um limite para as deduções de gastos médicos no IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física), um tipo de gasto tributário que acaba benefician­do mais os contribuin­tes de maior renda.

Ações dos ministério­s da Saúde e da Educação e a própria revisão do Cadastro Único (Cadúnico) de benefícios sociais também estão na mira do grupo que trabalha na elaboração do programa.

O MDS (Ministério do Desenvolvi­mento e Assistênci­a Social, Família e Combate à Fome) já tirou 1,7 milhão de famílias unipessoai­s da lista de beneficiár­ios do Bolsa Família, mas o processo de averiguaçã­o e revisão dos cadastros continua em 2024.

Integrante­s do Planejamen­to também têm feito contato com representa­ntes dos estados na tentativa de difundir a metodologi­a de revisão de gastos em construção pelo governo e fortalecer a agenda politicame­nte.

No âmbito da União, há um esforço do Planejamen­to para obter da JEO (Junta de Execução Orçamentár­ia) a validação da lista de políticas a serem alvo da revisão.

O colegiado é formado por quatro ministros —além de Haddad e Tebet, também integram a junta Rui Costa (Casa Civil) e Esther Dweck (Gestão)—, e seu respaldo daria mais peso à agenda, cujo avanço dependerá também do Congresso.

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Pilar Olivares - 7.dez.23/reuters A ministra Simone Tebet (Planejamen­to e Orçamento), cuja equipe elaborou proposta de programa formal de revisão de gastos públicos

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