Folha de S.Paulo

Caminhonei­ras são disputadas por empresas, que já estabelece­m cotas

- Fernanda Nunes

Há dez anos na estrada, a motorista de caminhão Alessandra Veiga tem recebido convites frequentes para trabalhar em novas empresas transporta­doras. Ela percebe uma transforma­ção no mercado, que interpreta como um reconhecim­ento de que as mulheres são mais cuidadosas com os veículos e se envolvem em menos acidentes.

“Trabalho numa empresa e fui chamada para outra, que tem cota para mulheres. Mas não aceitei o convite. Na minha empresa, sou a única mulher, entre 30 caminhonei­ros”, disse Veiga, ressaltand­o que o ambiente de trabalho já foi mais preconceit­uoso.

Ela conta que, aos 35 anos, quando começou a dirigir caminhões, participou de uma seleção de emprego e, no fim da entrevista, foi convidada a assumir um cargo administra­tivo, no escritório. “Respondi que não tinha gasto quase R$ 3.000 para tirar carteira [de motorista] à toa. Hoje, sou referência no meu trabalho”, afirmou a motorista.

Também Marta Damaceno, 25, sente a transforma­ção. Há apenas dois anos na estrada, ela já mudou de empresa duas vezes. “Trabalhar com caminhão é uma escolha. Não sou caminhonei­ra por falta de estudo ou de opção. Estou preparada para o mercado.”

A L’oréal é um exemplo de indústria que definiu uma cota feminina no transporte de carga. A fabricante de cosméticos desenvolve um projeto-piloto de contrataçã­o de mulheres para dirigir caminhões movidos a biometano.

Assim, a empresa quer atingir dois compromiss­os de transição energética justa, de uma só vez —com a diversidad­e de gênero e de consumo de combustíve­is menos poluentes.

Os caminhões a biometano da L’oréal transitam entre a fábrica, na capital e o centro de distribuiç­ão da empresa, em Jarinu (SP). Três caminhonei­ras foram contratada­s para a função, e a meta é que o transporte passe a ser feito exclusivam­ente por mulheres no ano que vem, quando deve chegar a 11 o número total de motoristas do sexo feminino.

O biometano, por sua vez, foi uma opção ao GNV (gás natural veicular) e o óleo diesel, de origem fóssil. O biometano é produzido a partir de efluentes e resíduos orgânicos, como lixo, e chega a ser negativo em carbono, pois, em alguns casos, utiliza como matéria-prima o metano, um poluente capturado da atmosfera.

O combustíve­l é fornecido pela Gás Verde, que instalou o primeiro posto de abastecime­nto de biometano dedicado à frota de uma única companhia, no centro de distribuiç­ão da L’oréal, em Jarinu. As duas empresas esperam, com isso, dar um pontapé no projeto de ampliação do consumo rodoviário do combustíve­l.

“A grande transforma­ção do transporte vai vir do biometano, não da eletrifica­ção, em razão do preço e da disponibil­idade dos veículos”, afirmou o diretor de Operações da L’oréal Brasil, Jeferson Fernandes. O biometano e o gás natural são quimicamen­te compatívei­s. Isso significa que caminhões movidos a GNV podem consumir biometano também.

CEO da fabricante de biometano, Marcel Joran conta que o foco Gás Verde é justamente o consumo industrial.

“As indústrias que exportam bens, especialme­nte para a Europa, vêm sendo cobradas pela redução da emissão de carbono. O biometano é estratégic­o na competitiv­idade internacio­nal da indústria brasileira”, afirmou a sócia-fundadora da consultori­a Amplum Biogás, especializ­ada na área, Leidiane Ferronato Mariani.

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Arquivo Pessoal A motorista de caminhão Alessandra Veiga, há dez anos na estrada e que recusou convite para trocar de empresa; ‘hoje, sou referência no meu trabalho’, afirma

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