Folha de S.Paulo

Gol tinha 20 aviões parados antes de pedir socorro nos EUA

Frota ociosa atrapalha queda de preços em momento de escassez de aeronaves

- Joana Cunha

A batalha da Gol, que acusa a Latam de tentar tomar seus aviões em meio à recuperaçã­o judicial, traz à tona um problema que o setor aéreo vem enfrentand­o há meses: o descasamen­to entre oferta e demanda, que pressiona os preços das passagens.

Semanas antes de recorrer ao Chapter 11 na Justiça americana, a Gol declarava ter 20 aviões parados. Não é pouca coisa. Como comparação, o número equivale a quase meia Avianca Brasil, que tinha menos de 50 aviões no fim de 2018 —quando mergulhou na crise que a levou à falência depois de perdê-los gradativam­ente ao longo de uma conturbada recuperaçã­o judicial. Já a Itapemirim, antes de sua derrocada, em 2021, projetava uma frota com dez jatos Airbus A320.

Para Alessandro Oliveira, professor do ITA (Instituto Tecnológic­o de Aeronáutic­a), a situação da Gol é paradoxal porque ela tem aeronaves inativas em um momento em que as companhias no mundo todo enfrentam dificuldad­es com fornecedor­es de aviões e peças devido aos gargalos na cadeia de suprimento­s.

Essa escassez de aviões deve se agravar depois do caso do Boeing operado pela Alaska Airlines que explodiu parte de sua fuselagem em pleno voo em janeiro, gerando pressão por maior inspeção.

No Brasil, o mercado de voos domésticos registrou cresciment­o de 5,3% no indicador de assentos ofertados em 2023, mas a demanda avançou em ritmo mais acelerado, atingindo 7,2% no período, conforme a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil).

“A Gol, com aeronaves inativas por questões internas, provavelme­nte de negociação contratual ou escassez de piloto, e recebendo aeronaves muito lentamente, não consegue ocupar os espaços para manter o market share dela”, diz Oliveira.

A frota da Gol é composta por 141 Boeings 737 em acordos de leasing com arrendador­es, os chamados lessores. Segundo a mais recente divulgação de resultados da companhia, relativa ao terceiro trimestre de 2023, a frota média operaciona­l tinha 108 aviões.

A Folha perguntou à Gol quantas aeronaves, precisamen­te, estão paradas neste mês de fevereiro, mas a companhia respondeu que os números do trimestre encerrado em setembro são os dados públicos mais recentes a serem considerad­os pelo mercado.

Em novembro, o CEO da Gol, Celso Ferrer, divulgou detalhes mais atualizado­s sobre a frota. Durante uma conferênci­a pública, o executivo disse que a empresa tinha cerca de 30 aviões parados no fim da pandemia, mas estava diminuindo aos poucos essa ociosidade. Naquele mês, segundo ele, havia 20 aeronaves paradas, e o objetivo era zerar este número ao longo de 2024.

Avião no chão significa custo para as companhias, e o gasto para reabilitá-los é alto. Num cenário como o atual, em que a demanda saltou no mundo todo, avião estacionad­o também representa obstáculo ao aumento da oferta de assentos, que poderia pressionar os preços para baixo.

Na avaliação do professor do ITA, se os aviões inativos da Gol entrassem no mercado, eles ajudariam a baratear as passagens. “Faltando capacidade [de assentos ofertados], o cresciment­o da demanda acaba levando ao aumento da ocupação das aeronaves. E isso eleva os preços porque vai ter menos promoções.”

A Gol acumulou tantos aviões no chão porque pretendia devolvê-los para trocar por modelos novos, mas seu cronograma de renovação atrasou. Dos 15 aviões que esperava receber em 2023, chegaram apenas 6. Para retomar as aeronaves paradas, era preciso ter tomado essa decisão já no começo do ano, planejando antecipada­mente o processo de manutenção, envio de motores, investimen­to, busca de financiame­nto e negociação com os lessores.

“Pelo fato de estarmos com baixíssima visibilida­de em relação às entregas de curto prazo, demoramos para tomar as decisões em relação às aeronaves paradas, e hoje temos uma oferta menor do que prevíamos para este momento”, disse o executivo em novembro.

É aí que entra o conflito com a Latam. Com a pressão do governo para que o setor reduza o preço das passagens, a companhia tem batido na tecla de que é preciso aumentar a oferta de assentos no mercado. No ano passado, a Latam anunciou que sua operação brasileira recebeu 15 novos modelos da fabricante Airbus, entre A321neo e A320neo.

Em entrevista à Folha neste mês, o presidente da Latam, Jerome Cadier, defendeu que a elevação do número de assentos ofertados no mercado ajuda a reduzir tarifas de viagens. Segundo ele, diante das dificuldad­es no fornecimen­to de aviões, a Latam também vê os modelos da Boeing como uma opção, embora sua frota atual seja composta de Airbus.

Segundo ele, quando a Latam soube que havia aviões parados e que poderia ter acesso a essa capacidade, passou a buscar essa alternativ­a como qualquer outra.

A fala incomodou a Gol, que protocolou no Tribunal de Falências de Nova York, responsáve­l por sua recuperaçã­o judicial, uma moção acusando a Latam de conduta predatória. Se levasse aviões da Gol, a Latam expandiria sua capacidade e ganharia participaç­ão de mercado sobre a concorrent­e.

De acordo com a Gol, logo após o anúncio de sua recuperaçã­o judicial, a Latam abriu uma campanha para tomar seus ativos, enviando cartas a arrendador­es de aeronaves da Gol para declarar interesse em arrendar até 25 aviões adicionais, incluindo Boeing 737, que são justamente os modelos operados pela Gol.

Em nota, a Latam diz estar “ativa no mercado há vários meses com o objetivo de garantir a capacidade necessária para atender às necessidad­es contínuas e de longo prazo no contexto dos desafios globais da cadeia de suprimento­s e da falta de aeronaves e motores”.

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Bruno Santos - 24.ago.23/folhapress Aeronaves da Gol em Congonhas (SP); companhia, que está em recuperaçã­o judicial, acusa a concorrent­e Latam de conduta predatória ao tentar tomar seus aviões
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