Folha de S.Paulo

“ Prisões dos EUA inspiraram arame de presídio, diz corregedor

- Constança Rezende e Raquel Lopes Brasília

O corregedor da penitenciá­ria federal em Mossoró (RN), Walter Nunes, afirmou que os presídios federais de segurança máxima do país são cercados por arame, e não muralhas, por terem sido inspirados no modelo construído em locais de deserto, situação diferente da geografia do Brasil.

A penitenciá­ria de segurança máxima do Rio Grande do Norte foi palco da inédita fuga de dois detentos, que escaparam na quarta-feira (14) depois de terem cortado a cerca de alambrado.

Segundo Nunes, que também é coordenado­r-geral do Fórum Permanente do Sistema Penitenciá­rio Federal, a lógica dos alambrados é facilitar a identifica­ção a distância de pessoas que se aproximem.

“Quando se fala em presídios de segurança máxima, se fala nos Estados Unidos. O Brasil não tinha experiênci­a sobre presídios de segurança máxima. Quando estas prisões foram construída­s (em 2006), foram imaginadas na imagem e semelhança dos presídios de segurança máxima americanos, que não têm

Walter Nunes corregedor da peniteciár­ia federal em Mossoró (RN)

muros”, disse.

O corregedor disse que a necessidad­e da construção de muralhas foi identifica­da em 2007, “mas não há de se demonizar o passado” porque várias coisas foram calibradas em termos de segurança ao longo dos anos.

“É fácil você verificar depois. No início, talvez não fosse tão simples. Hoje, com segurança, a gente vai dizer: se houvesse muralhas no presídio de Mossoró, muito provavelme­nte a fuga não teria ocorrido”, disse.

O juiz também classifico­u o episódio como o mais grave do sistema desde a sua criação. Nessas prisões estão os presos mais perigosos do país.

Nunes disse, porém, ser importante dizer para a sociedade que o atual sistema é seguro. Em 18 anos, não havia tido registros de fuga, rebelião, assédio sexual ou até mesmo uso de celulares por internos nesses locais, situações corriqueir­as em presídios estaduais.

Apesar disso, ele afirma que o episódio abalou não só o presídio de Mossoró, mas todo o sistema, por ser de excelência.

“Um dos aspectos da eficiência do sistema era não ter tido fuga até hoje. Importante dizer que aconteceu, mas não pode mais acontecer. O certo era não ter acontecido. Agora temos que calibrar o sistema e ver esse problema da obediência aos protocolos”, disse.

Para Nunes, se os protocolos de segurança tivessem sido obedecidos, a fuga não teria ocorrido. Ele disse que há um manual interno minucioso do sistema, com medidas que devem ser tomadas diariament­e.

“Além da questão estrutural, arquitetôn­ica e dos equipament­os eletrônico­s empregados, há o componente humano de segurança. É complicado porque você trabalha todo dia e não acontece nada. Mas, dependendo das circunstân­cias, pode ocorrer, se você relaxar e não adotar uma determinad­a providênci­a que deve ser tomada todos os dias”, disse.

Ele afirmou que, mesmo no sistema americano, o grande problema é a rotina diária, “pois ninguém aguenta a rotina excessiva, muito rígida”.

“Os policiais penais têm de fazer aquele procedimen­to diariament­e. É exaustivo, tem que ter estratégia­s para que a pessoa cumpra essas etapas de trabalho. Há uma série de fatores que podem ter comprometi­do, arrefecido, essa obediência maior, rígida, a esses protocolos”, disse.

O ministro da Justiça e da Segurança Pública, Ricardo Lewandowsk­i, anunciou, em entrevista na quinta-feira (15), o plano de construir muralhas em todos os presídios federais. Ao todo, há cinco presídios de segurança máxima no país.

Apenas a unidade do Distrito Federal, considerad­a a mais segura, tem muralhas. Um dos motivos de o líder da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) Marcola não ter sido transferid­o da unidade de Brasília foi justamente a segurança imposta pela muralha.

Lewandowsk­i também disse que outro fator que teria facilitado a saída dos presos é que o episódio ocorreu no Carnaval, quando “pessoas estavam mais relaxadas do que o normal”.

Segundo as investigaç­ões, Rogério da Silva Mendonça, 36, e Deibson Cabral Nascimento, 34, teriam usado um alicate de uma obra deixado no presídio para cortar o aramado. Eles são suspeitos de ligação com o Comando Vermelho.

A obra do pátio de onde foi retirado o material utilizado na fuga era para uma comodidade em relação ao banho de sol dos internos, segundo Nunes. Ele conta que, quando encerrou a atividade, a empresa deixou alguns materiais num local acessível que não deveria ter deixado.

“Eles arrombaram o tapume e pegaram esse equipament­o. Não era para estar lá. O ideal era ele estar num ambiente fechado dentro da unidade prisional. Os motivos disso serão apurados”, disse.

O corregedor disse que a investigaç­ão não descarta a hipótese de participaç­ão de funcionári­os da obra ou de agentes penitenciá­rios na ação.

Nunes também avaliou como positivo o afastament­o imediato, por Lewandowsk­i, da direção da penitenciá­ria e a nomeação de um intervento­r para comandar a unidade.

Segundo ele, a troca não significa culpar o gestor anterior, “que merece todas as homenagens”, mas dar transparên­cia ao processo para que pessoas diferentes analisem o trabalho que foi feito.

“Tem que examinar se ele estava procedendo corretamen­te o trabalho. Não dá para ele próprio estar gerindo e sendo questionad­o. É a coisa mais natural e racional”, disse.

É fácil você verificar depois. No início, talvez não fosse tão simples. Hoje, com segurança, a gente vai dizer: se houvesse muralhas no presídio de Mossoró, muito provavelme­nte a fuga não teria ocorrido

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