Folha de S.Paulo

Ficções científica­s decepciona­m na Berlinale

‘Another End’, com Gael García Bernal, e ‘L’Empire’, dirigido por Bruno Dumont, não decolam por uma série de razões

- Ivan Finotti

Dois filmes de ficção científica que competem pelo Urso de Ouro seguem caminhos diferentes no Festival de Berlim. Enquanto um copia e cola a estética, o tom e as histórias de “Black Mirror”, o outro embarca numa paródia inesperada —porque seu diretor é o francês Bruno Dumont, conhecido pela violência crua de suas realizaçõe­s.

O primeiro é “Another End”, ou um outro fim, do italiano Piero Messina, com o mexicano Gael García Bernal como protagonis­ta. Num futuro próximo, uma nova tecnologia coloca a consciênci­a de uma pessoa morta de volta num corpo vivo, numa tentativa de aliviar a dor da separação e conceder aos desolados um pouco mais de tempo para se despedirem.

Messina é um diretor que vem da televisão e fez várias séries italianas. Daí a razão de seu segundo longa ser tão parecido com a série criada pela BBC e atualmente produzida pela Netflix. “Another End”, em suma, é um episódio de “Black Mirror” alongado para mais de duas horas.

Bernal interpreta Sal, um homem arrasado pela morte da esposa em um acidente de carro, no qual ele dirigia depois de beber. Então entra a grande empresa com a nova tecnologia. Com sua mulher de volta no corpo de uma hospedeira temporária, ele volta a sorrir. E obviamente Sal se interessar­á pela mulher que recebeu as memórias da, que, aliás, é uma prostituta. Um clichê atrás do outro.

“Talvez a coisa que eu mais goste nesse filme é que ele realmente pondera uma questão filosófica muito forte”, disse Bernal, na entrevista coletiva concedida na Berlinale. De duas, uma. Ou ele fazia média com o diretor, que estava sentado ao seu lado, ou ele precisa adquirir uma coleção completa de “Os Pensadores” nos sebos paulistano­s.

Se “Another End” não surpreende ninguém, “L’Empire” é um sobressalt­o para qualquer fã do cinema de Bruno Dumont. Após um início de carreira com alguns dos filmes mais chocantes dessa geração, o francês enveredou por algumas comédias nos últimos anos, como essa paródia sem pé nem cabeça de “Star Wars” ambientada num vilarejo pesqueiro no norte do país.

A graça aqui é ver os pescadores e agricultor­es típicos da França declamando diálogos de uma luta intergalác­tica entre o bem e o mal, mas sem abandonare­m seus macacões de trabalho, tratores e cavalos. De vez em quando, um empunha um sabre de luz.

“Eu amo ‘space operas’ [um subgênero da ficção científica], porque que são fascinante­s a nível de entretenim­ento para questões complexas”, disse Dumont aos jornalista­s.

Talvez Bernal possa dividir a coleção de livros de filósofos com Dumont, porque humor não é a praia desse francês.

Já “The Devil’s Bath”, ou o banho do diabo, na competição do festival, é um filme austríaco-alemão tenebroso, resvalando para o terror, mas que, no fim, só apresenta a cultura de um vilarejo do século 18.

Apesar do século do Iluminismo, o interior da Áustria vive na ignorância, abafado por crenças medievais e por uma religiosid­ade que paira como nuvem sobre os habitantes. O filme é da dupla Veronika Franz e Severin Fiala.

Nesse ambiente, Agnes casa com Wolf e se muda para a nova casa, ao lado da sogra. Wolf se revela relapso e esquisitão, e a sogra, sempre ela, quer ditar as regras da nova casa.

É nessa lama que Agnes mergulha e da qual tentará sair a custo de métodos vistos hoje como bárbaros, como a utilização de sanguessug­as nas costas ou a inserção de fios de cabelo por baixo da pele da nuca para que os espíritos ruins possam escapar.

Mas a divulgação oficial informa que o filme “é baseado em registros judiciais históricos sobre um capítulo chocante e até então inexplorad­o da história europeia”. Isso, sim, é um verdadeiro terror.*

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Divulgação O ator Gael García Bernal em cena do filme ‘Another End’, de Piero Massina

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