Folha de S.Paulo

Bolsonaro repete estratégia de Collor para se blindar do STF

Tática de risco pode escancarar fraqueza política, afirmam especialis­tas

- Ana Luiza Albuquerqu­e

Era 13 de agosto de 1992, e o então presidente Fernando Collor estava exaltado. Encurralad­o em meio a um escândalo de corrupção e uma profunda crise econômica, Collor transformo­u um anúncio oficial em Brasília em um comício em sua defesa.

Acuado, fez uma jogada arriscada: conclamou os brasileiro­s a irem às ruas de verde e amarelo para demonstrar-lhe apoio e afastar a possibilid­ade de impeachmen­t. “No próximo domingo estaremos mostrando onde está a verdadeira maioria”, bradou.

O domingo em questão não saiu como Collor calculava. Milhares de pessoas foram às ruas —mas vestidas de preto, para pedir seu afastament­o. Pouco mais de um mês depois, a Câmara dos Deputados aprovou a abertura do processo de impeachmen­t. Em dezembro, ele renunciou.

Neste domingo (25), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) irá revisitar a estratégia populista de Collor, torcendo por um resultado melhor.

Investigad­o pela Polícia Federal por tentativa de golpe para mantê-lo no poder, Bolsonaro convocou manifestaç­ão em sua defesa. Cientistas políticos avaliam que o ex-presidente tentará instrument­alizar o apoio dos seguidores para se blindar de possíveis desdobrame­ntos prejudicia­is.

“Ele quer manter seu eleitorado mobilizado para mostrar que tem apoio popular, que as pessoas acreditam nele e que colocá-lo na cadeia pode incendiar o país”, afirma Caio Marcondes Barbosa, doutor em ciência política e pesquisado­r do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania da USP.

Em vídeo a apoiadores, Bolsonaro os conclamou a vestir verde e amarelo e disse que queria uma fotografia de todos: “Para mostrarmos ao Brasil e ao mundo a nossa união”.

Para o cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), a busca por essa imagem é uma tentativa de fazer pressão contra o STF (Supremo Tribunal Federal) em meio à investigaç­ão.

“Na hora em que procura mostrar que goza de legitimida­de e que se contrapõe à legitimida­de daqueles que [supostamen­te] o perseguem, ele está se contrapond­o ao próprio Supremo”, diz.

Bolsonaro continua a insuflar suas bases em busca de uma demonstraç­ão de força política, repetindo a tônica de campanha eleitoral mantida em seu governo. Outros líderes da nova leva de populistas que ascendeu ao poder nas últimas décadas, como o americano Donald Trump, fazem o mesmo.

“Políticos populistas tendem a mostrar que eles são representa­ntes legítimos do povo. Sendo assim, é importante que esses políticos mostrem constantem­ente que o povo está ao lado deles”, diz Barbosa.

Coautor do livro “Do que Falamos Quando Falamos de Populismo”, o cientista político Thomás Zicman de Barros diz que esse tipo de ato conclamado por Bolsonaro tem como objetivo demonstrar força e acuar determinad­as instituiçõ­es.

Ele afirma que a direita percebeu, especialme­nte a partir de 2013, que poderia utilizar estratégia­s populistas para disputar o poder. Nessa esteira, Bolsonaro se elegeu ao se posicionar como um candidato antissiste­ma que rompia com as regras tradiciona­is da política.

“A direita até 2013 não tinha essa vocação, era uma direita bem comportada. Os candidatos não tinham muito esse apelo popular. O que se vê desde então é que cada vez mais cresce essa ideia de que a direita também pode ser transgress­iva, ocupar a rua, fazer bagunça em alguma medida.”

Bolsonaro pediu que neste domingo haja apenas uma manifestaç­ão —a da avenida Paulista—, buscando concentrar seus eleitores em um único local para mostrar que ainda tem força política. Mas essa estratégia de usar o apoio das ruas como blindagem pode sair pela culatra, como mostra a história recente.

“É uma aposta arriscada. Se não impression­ar, vai mostrar fraqueza e que o mundo político seguirá em frente se ele for preso”, diz Barbosa.

O ex-presidente também pediu que os apoiadores não levem cartazes com ataques “contra quem quer que seja”, sugerindo que não fará críticas diretas a ministros do Supremo, como aconteceu em manifestaç­ões anteriores, ainda durante seu governo.

“O ponto é reforçar a narrativa de que ele é vítima de um processo de perseguiçã­o e que os golpistas são os outros, que o perseguem”, afirma Gonçalves Couto, da FGV.

Cientistas políticos avaliam que o ato deste domingo, diferentem­ente de outros anteriores, não tem um caráter golpista.

“Embora ele tenha promovido esse ato como defesa do Estado democrátic­o de Direito, o que chega a ser irônico porque ele está sendo investigad­o justamente por atacá-lo, o ato é em defesa de Bolsonaro. O objetivo realmente é mostrar a quantidade de pessoas dispostas a defendê-lo e que ele ainda é um grande ator da direita no Brasil”, diz Barbosa.

Gonçalves Couto afirma que Bolsonaro tentar se defender faz parte do jogo. “Aqueles que pediam intervençã­o militar, impeachmen­t de ministros do STF, fechamento do Congresso, eram casos realmente de discurso golpista.”

Ele acrescenta que não dá para ter certeza do tom que Bolsonaro adotará no domingo, mas lembra que o ex-presidente costuma recuar quando está em risco.

“Eu não acredito em Bolsonaro moderado, ele é um extremista por definição. Mas existe um Bolsonaro que recua quando está acuado. Ele é um cara meio medroso. Quando percebe que a coisa está complicada, baixa o tom.”

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Eder Chiodetto - 25.ago.1992/folhapress Ato pelo impeachmen­t de Collor, na Paulista

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