Folha de S.Paulo

Contador permanece relevante com IA, mas deve se atualizar

- Marcos Hermanson

O Brasil tem 532 mil profission­ais de contabilid­ade, segundo o conselho da categoria. O total engloba contadores e técnicos —trabalhado­res que, desde 2015, por força de lei, não recebem mais certificaç­ão.

Em número, o país supera China, Índia e França e está atrás dos Estados Unidos, que contam com 672 mil profission­ais certificad­os.

“A contabilid­ade sempre foi uma válvula de escape”, diz César Tibúrcio Silva, professor de ciências contábeis da UNB (Universida­de de Brasília). “As pessoas faziam o curso técnico porque significav­a uma espécie de garantia de emprego no futuro.”

Outro fator, afirma, é a complexida­de das normas e da legislação, que favorece a existência de um número tão expressivo desses profission­ais.

Para Aécio Dantas, presidente do CFC (Conselho Federal de Contabilid­ade), “é um mito” que o número de contabilis­tas no país seja sinal de burocracia. “O contador moderno vai no sentido oposto, é um analista de dados.”

Esses profission­ais podem trabalhar em uma série de funções no setor público e no privado, como auditoria, perícia contábil e atuária, entre outras.

Esse é um dos fatores que ajuda a garantir os 93% de taxa de ocupação na área, calculados em 2013 por uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Não há dados mais recentes. No mesmo estudo, o instituto calculou em R$ 6.000 (valor atualizado pela inflação) o salário da categoria.

“É difícil ver um bom contador desemprega­do”, diz o presidente do CFC, acrescenta­ndo que os profission­ais também podem abrir os próprios escritório­s de contabilid­ade.

Vania Borgerth, 59, queria ser guia de turismo, mas foi dissuadida pelo irmão. Formou-se em ciências contábeis na Faculdade Santa Úrsula, no Rio de Janeiro, e se tornou contadora-chefe do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvi­mento Econômico e Social). De 2004 a 2011, chefiou uma equipe de 120 pessoas.

Borgerth considera insuficien­te o número de contadores no Brasil. “O mercado precisa de mais informação, com maior velocidade, e de contadores com formação ética, estatístic­a, que se expressem bem.”

Outra discussão é o impacto da inteligênc­ia artificial sobre a profissão. Fábio Correia, gerente de finanças do terminal de contêinere­s da Wilson Sons em Salvador (BA), avalia que a IA exigirá atualizaçã­o dos profission­ais, mas não eliminará cargos.

Com a implementa­ção da tecnologia, ele vê o contador se deslocando para funções analíticas e de maior protagonis­mo.

“O sistema dá a informação, mas o desafio é entender o negócio, explicar as variações nos números.”

Silva, da UNB, acredita que a profissão seguirá existindo, embora a redução de postos seja inevitável. “Toda revolução tecnológic­a teve um impacto na contabilid­ade, que lida com a automação há bastante tempo”, diz.

O professor lembra da tabuladora, máquina de processame­nto de dados baseada na leitura de cartões de papel perfurados, inventada pelo engenheiro americano Herman Hollerith no século 19.

O dispositiv­o permitiu acelerar o censo populacion­al americano de 1890 e deu origem ao apelido paulista do contracheq­ue, o holerite.

“A tecnologia não vai ocupar o papel do contador”, diz Dantas, presidente do CFC. “Ela vai fazer a parte burocrátic­a, dos cálculos, e liberar o contador para a função de análise de dados.”

“Cada vez mais nossa função vai ser automatiza­r as tarefas, em vez de fazê-las por conta própria”, afirma Gabriela Nascimento, 25, aluna da Faculdade de Economia, Administra­ção e Contabilid­ade de Ribeirão Preto, da USP.

Ela conta que alguns docentes incentivam os alunos a usar o CHATGPT, software de IA generativa, na resolução de exercícios. “Vai ser um requisito. Quem não tiver a habilidade vai ficar em desvantage­m.”

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Ricardo Benichio/folhapress A estudante Gabriela Nascimento no campus da USP de Ribeirão Preto
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Rafaela Araújo/folhapress O contador Fábio Correia na Companhia das Docas do Estado da Bahia

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