Antiviralatismo desvairado
Não é a primeira nem a segunda vez que o presidente Lula comete erros estapafúrdios e faz comparações bizarras. Em 2009, quando Mahmoud Ahmadinejad foi reeleito, em um contexto em que dezenas de candidatos foram impedidos de se candidatarem e o abuso de poder deflagrou protestos naquele país e fora dele, Lula afirmou que não era “a primeira vez que um partido de oposição que perde reclama muito”. E comparou a teocracia iraniana com os EUA: “não podemos esquecer nunca da primeira eleição do presidente Bush. As pessoas acataram os resultados apesar das dúvidas”.
Na ocasião, o conselho editorial de uma revista britânica do qual fazia parte divulgara um protesto na comunidade científica denunciando a prisão e a tortura de um de nossos colegas, um acadêmico iraniano. As declarações de Lula causaram perplexidade.
Os fiascos sucessivos têm um padrão. Refletem uma busca de protagonismo descabido com o status do país, uma potência regional, como apontou Maria Hermínia Tavares. O antiamericanismo cumpre um papel essencial ao propósito de lograr a liderança do Sul Global. Historicamente tem servido também a outro desígnio: uma forma aparentemente sem custos de afirmar uma identidade de esquerda (o que tem implicado no apoio a regimes autoritários); e de mitigar custos junto a sua base da aliança com setores ultraconservadores no plano doméstico. Mas os custos são crescentes para um governo quebuscaseafirmarcomoparte de uma frente pela democracia.
Os nexos entre as políticas externa e doméstica são um tema clássico da ciência política. A escolha estratégica com Lula 3 é delegar poderes no plano da política doméstica e focar na política externa onde “estão os frutos fáceis de colher”. Sim, é no plano internacional que o país tem vantagens comparativas importantes devido ao lugar do país na política global da mudança climática. Mas os sucessivos fiascos não ocorreram nesta arena, e sim na chamada big politics, dos grandes conflitos mundiais. A política da mudança climática e a política global estão agora intimamente associadas: fiascos na segunda afetam a primeira.
Os frutos estão difíceis de colher no plano doméstico: nesta semana o governo amargou derrota crucial com o recuo na MP da desoneração. O governo havia dobrado a aposta ao confrontar o Congresso com uma MP, após ter seu veto derrubado. No plano externo, ao invés de praticar pragmatismo prudente no plano estratégico e econômico, combinado com foco na questão ambiental, Lula mobiliza uma espécie de antiviralatismo desvairado.
A prioridade estratégica de Lula neste mandato de entrar para a história como estadista de primeira linha corre risco de dar com os burros n’água.