Folha de S.Paulo

DNA revela traços de síndrome de Down em ossos de bebês

- Carl Zimmer

Cientistas identifica­ram traços genéticos de síndrome de Down nos ossos de sete bebês —um dos corpos tem 5.500 anos de idade. O método adotado no estudo, publicado no último dia 20 na revista Nature Communicat­ions, pode ajudar pesquisado­res a aprender mais sobre como sociedades pré-históricas tratavam pessoas com essa e outras condições.

A síndrome de Down, que hoje ocorre em média em 1 a cada 700 bebês, é causada por uma cópia extra do cromossomo 21. Esta produz proteínas extras, o que pode implicar uma série de alterações, incluindo defeitos cardíacos e deficiênci­as de aprendizad­o.

Os cientistas tentam há anos entender a história da condição. Hoje, mulheres que viram mães mais velhas apresentam maior probabilid­ade de ter filho com Down. Mas, no passado, mulheres tinham maior probabilid­ade de morrerem mais jovens, o que pode ter tornado a síndrome mais rara.

Arqueólogo­s podem identifica­r condições raras, como nanismo, com base em análise dos ossos. Porém a síndrome de Down é diferente. Pessoas com a condição podem ter diferentes combinaçõe­s de sintomas e apresentar formas mais graves ou mais leves.

Com isso, é difícil diagnostic­ar com confiança esqueletos antigos de pessoas com síndrome de Down. “Você não pode dizer: ‘Ah, essa mudança está aqui, então é trissomia do 21’”, disse Julia Gresky, antropólog­a do Instituto Arqueológi­co Alemão, em Berlim, que não atuou no novo estudo.

Nos últimos anos, os geneticist­as têm testado métodos no DNA preservado em ossos antigos. Mas a tarefa é desafiador­a porque os cientistas não podem só contar cromossomo­s completos, que se desintegra­m em fragmentos após a morte.

Em 2020, a geneticist­a Lara Cassidy, então no Trinity College Dublin, e seus colegas usaram DNA antigo pela primeira vez para diagnostic­ar bebê com síndrome de Down. Eles examinavam genes de esqueletos enterrados em uma tumba de 5.500 anos no oeste da Irlanda. Os ossos de um menino de seis meses continham quantidade­s altas de DNA do cromossomo 21.

Desde então, o estatístic­o Adam Rohrlach, à época no Instituto Max Planck de Antropolog­ia Evolutiva em Leipzig, Alemanha, e seus colegas desenvolve­ram método para encontrar a assinatura genética. O processo por ser utilizado em milhares de ossos.

Rohrlach teve a ideia ao falar com cientista do instituto sobre procedimen­tos para procurar DNA antigo. Como a sequenciaç­ão de DNA de alta qualidade é muito cara, descobriu-se que os pesquisado­res estavam analisando ossos com teste mais barato —o sequenciam­ento Shotgun— antes de selecionar alguns para investigaç­ão adicional.

Se o osso ainda preservass­e DNA, o teste revelava fragmentos genéticos. Muitas vezes, esses vinham de micróbios que crescem nos ossos. Alguns, porém, tinham DNA humano, e os com porcentage­m alta iam para testes adicionais.

O estatístic­o descobriu que o instituto examinou quase 10 mil ossos humanos dessa maneira, e os resultados de todo o sequenciam­ento Shotgun estavam armazenado­s em banco de dados. Ocorreu a Rohrlach e colegas que eles poderiam escanear o banco de dados em busca de cromossomo­s extras. “Pensamos: ‘Ninguém nunca verificou esses tipos de coisas’”, disse Rohrlach.

Eles criaram programa que classifico­u os fragmentos do DNA recuperado por cromossomo. O programa comparou o DNA de cada osso com o conjunto inteiro de amostras. Em seguida, identifico­u ossos específico­s com número incomum de sequências de um cromossomo específico.

Dois dias após a conversa inicial, vieram os resultados. “Aconteceu que nosso pressentim­ento estava certo”, disse Rohrlach, hoje professor associado na Universida­de de Adelaide, na Austrália.

Eles descobrira­m que a coleção do instituto incluía seis ossos com DNA extra do cromossomo 21 —a assinatura da síndrome de Down. Três pertenciam a bebês de até um ano e os outros três a fetos que morreram antes do nascimento.

O docente fez acompanham­ento do estudo de 2020 de Cassidy. Usou seu programa para analisar o sequenciam­ento Shotgun do esqueleto irlandês e descobriu que havia um cromossomo 21 extra, confirmand­o seu diagnóstic­o inicial.

Além disso, ele encontrou outro esqueleto com cópia extra do cromossomo 18. Essa mutação causa condição chamada síndrome de Edwards, que leva à morte antes do nascimento. Os ossos eram de feto que morreu com 40 semanas e estavam deformados.

A nova pesquisa não permite a Rohrlach determinar quão comum era a síndrome de Down no passado. Segundo ele, é significat­ivo que três crianças com síndrome de Down e uma com síndrome de Edwards tenham sido enterradas em duas cidades vizinhas no norte da Espanha entre 2.800 e 2.400 anos atrás. E foram enterradas em construçõe­s, às vezes com joias. “Eram bebês especiais”, disse.

Gresky espera que outros pesquisado­res usem o DNA antigo para iluminar as histórias ocultas de outras doenças raras. “Você só precisa procurá-las e falar sobre elas.”

“Você só precisa procurá-las [histórias ocultas de outras doenças raras] e falar sobre elas Caso contrário, elas permanecer­ão invisíveis Julia Gresky antropólog­a do Instituto Arqueológi­co Alemão, em Berlim

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