Folha de S.Paulo

Menção a Moraes e Gilmar no caso da ‘Abin paralela’ se resume a dois parágrafos

Relato da PF é amparado em interpreta­ção de trecho especulati­vo de documento que teria sido produzido em gabinete de deputado

- Ranier Bragon brasília

A afirmação da Polícia Federal de que o suposto esquema de arapongage­m ilegal do governo Jair Bolsonaro (PL) tentou vincular os ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes à facção criminosa PCC está amparada na interpreta­ção de dois parágrafos especulati­vos de um documento que teria sido produzido no gabinete de um deputado federal.

A Folha teve acesso à íntegra do documento, datado de outubro de 2019 e que foi apreendido pela PF na sede da Abin (Agência Brasileira de Inteligênc­ia) em outubro do ano passado, na primeira operação relacionad­a ao caso.

O arquivo, que integraria uma investigaç­ão da Abin iniciada em agosto de 2019 com o intuito de apurar suposto uso de uma entidade pelo PCC e pelo Comando Vermelho, reúne uma série de apontament­os familiares, profission­ais e políticos sobre a advogada Nicole Giamberard­ino Fabre e o Instituto Anjos da Liberdade.

Segundo a premissa da agência à época, criminosos estariam usando a ONG e a advogada para influencia­r políticos e magistrado­s a derrubar, no STF, a medida do Ministério da Justiça que estipulou restrições às visitas nos presídios federais, a portaria 157.

Em determinad­o ponto do texto que teria sido produzido em computador vinculado ao deputado federal Gilberto Nascimento (PSD-SP), é citada a nomeação de André Ribeiro Giamberard­ino —primo de Nicole— para a chefia de gabinete do então Ministério da Segurança Pública.

“Precisa verificar se a nomeação do sr. André Ribeiro Giamberard­ino foi no período do ministro Alexandre de Moraes, que teve muita vinculação com lideranças do PCC.”

Além da falta de base da afirmação de vinculação de Moraes com lideranças do PCC, simples consulta ao Diário Oficial da União mostra que André foi nomeado em 2 de julho de 2018 e exonerado em 19 de dezembro daquele ano.

Moraes havia deixado o Ministério da Justiça (à qual a área de segurança pública estava subordinad­a) mais de um ano antes. Ele assumiu a cadeira no STF em março de 2017.

A citação a Gilmar, feita parágrafos depois, é para afirmar que Nicole tem outro primo ligado a uma advogada cujo escritório estaria “umbilicalm­ente ligado a Gilmar”. “Prestar atenção a esta conexão”, limita-se a dizer o texto.

A Abin está no foco de investigaç­ão da PF desde março de 2023, quando veio à tona a informação de que a gestão Bolsonaro usou o software FirstMile para investigar ilegalment­e adversário­s políticos.

Moraes, Gilmar e PF foram procurados, mas não quiseram se manifestar.

Nicole disse à Folha que exerceu estritamen­te a sua atividade de advogada, sem qualquer ação fora dessa atribuição, e que não tem ideia de por qual razão virou alvo de espionagem da Abin em 2019.

Além dos relatórios, a advogada teve atividades no Congresso monitorada­s, o que incluiu encontros com parlamenta­res de esquerda, assim como a sua localizaçã­o geográfica pesquisada algumas vezes por meio do FirstMile.

Segundo os arquivos apreendido­s pela PF na sede da Abin, o documento intitulado “Prévia Nini.docx” aponta em seus metadados ter sido feito em computador da Câmara vinculado a “dep. Gilberto Nascimento.”

Documento similar, cuja última alteração ocorreu na mesma data, tem como autoria registrada o nome de Ricardo Minussi, que a PF diz ser o assessor parlamenta­r Ricardo Wrigth Minussi Macedo.

Em nota, Gilberto Nascimento disse que não é alvo de investigaç­ão no caso mencionado e que “não tem controle ou conhecimen­to das atividades realizadas pelo prestador de serviços Ricardo Luiz Wright Minussi Macedo além do âmbito da consultori­a legislativ­a prestada à época.” A Folha não conseguiu falar com Minussi.

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Pedro Ladeira - 14.set.23/Folhapress Os minsitros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes

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