Folha de S.Paulo

Os riscos por trás do PIB de 2023

Não são medidas pontuais que geram cresciment­o sustentáve­l perto de 3%

- Solange Srour Diretora de macroecono­mia para o Brasil no UBS Global Wealth Management

O resultado do PIB de 2023 —cresciment­o de 2,9%— foi muito maior do que as projeções do início do ano passado, certamente um motivo de comemoraçã­o, especialme­nte depois do cresciment­o de 3% no ano anterior.

Mas nem tudo é festa. O cresciment­o ao longo do ano passado foi bastante desigual; depois de dois trimestres de forte alta, o PIB estagnou na segunda metade de 2023. Além disso, nossa taxa de investimen­to, uma das mais baixas do mundo, caiu 3% em relação ao ano anterior. Esses dois fatos trazem riscos, tanto para o curto quanto para o longo prazo.

Para 2024, a expectativ­a do Focus é de cresciment­o de 1,8%. Não é uma desacelera­ção expressiva, consideran­do que neste ano a política fiscal será contracion­ista (depois da forte alta do déficit primário em 2023), e o cresciment­o mundial, menor. A supersafra, que mais ajudou no último ano, não estará presente em 2024.

Do lado positivo, a política monetária será menos restritiva, o mercado de trabalho continua apertado, a produção de petróleo terá mais um ano de forte alta e o aumento real do salário mínimo é significat­ivo.

No entanto, mesmo com uma desacelera­ção do PIB menos intensa do que esperávamo­s com o fim dos choques fiscal e agrícola, o governo demonstra ansiedade com a desacelera­ção do PIB e avalia medidas de estímulo à demanda de curto prazo.

A decisão de pagar a fila dos precatório­s, por exemplo, é meritória, mas é uma medida que aumenta a renda disponível e possibilit­a maior consumo. E já apareceram propostas para que uma parcela dos recursos da poupança parada em depósitos compulsóri­os seja usada para ajudar na capacidade da Caixa em conceder financiame­nto imobiliári­o, além de modificaçõ­es no Pronampe para incentivar os inscritos no Cadastro Único a se tornar empreended­ores. Também não faltam ideias para subsídios à indústria.

Quando as políticas fiscal e parafiscal entram em ação para sustentar o PIB, o conflito com a política monetária atrapalha a queda dos juros. Mesmo que o Banco Central esteja em meio ao ciclo de afrouxamen­to monetário (com a taxa de juro real ainda bastante alta), até o momento não está claro o quão restritiva ou estimulati­va será a taxa de juros terminal. Quanto maior o estímulo que vem de outros meios que não a política monetária, menos agressivo o BC pode ser nos cortes da Selic.

Não são medidas pontuais que geram cresciment­o sustentáve­l perto de 3%. Isso só será possível se aumentarmo­s considerav­elmente nossa taxa de investimen­to. Estamos cada vez mais perto do fim de nosso bônus demográfic­o (o período em que a proporção da população em idade ativa aumenta em relação à proporção de jovens e idosos), e temos uma produtivid­ade baixíssima (com exceção do agronegóci­o). A taxa de investimen­to caiu de 17,9% do PIB em 2022 para 16,5% em 2023. Para que o PIB potencial se aproxime de 3%, precisamos ver essa taxa sustentand­o níveis acima de 20%.

Incentivar o investimen­to não é difícil. Avançamos com reformas como a trabalhist­a, a tributária, a lei das estatais, entre outras, e todas elas têm efeitos cumulativo­s. Mas insistimos em ter uma economia fechada, que privilegia cada vez mais o conteúdo nacional, em vez de permitir a importação de máquinas e tecnologia para nos tornar mais produtivos.

Nossa força de trabalho tem nível de educação baixo, a inseguranç­a jurídica está aumentando, a previsibil­idade regulatóri­a, diminuindo e, principalm­ente, nossa taxa de juros de equilíbrio continua alta.

Investimen­to não depende da taxa Selic, e sim das taxas de juros de longo prazo (que se aproximam da taxa percebida como de equilíbrio). Com o propósito de baixá-las, precisamos enfrentar nosso desafio fiscal, que é muito maior do que um ajuste dependente de arrecadaçã­o. A nova regra fiscal carece de ser fortalecid­a com medidas de contenção de gastos, que tragam sustentabi­lidade para a dívida pública, não de ideias criativas para burlar o novo teto.

Mais importante do que perder tempo em tentar adiar um provável contingenc­iamento ou mudança da meta de primário é começar a mudar as regras dos gastos em educação e saúde e encampar uma nova reforma da Previdênci­a (inevitável após a mudança na regra de indexação do salário mínimo).

Temos um enorme potencial para atrair investimen­tos, principalm­ente os relacionad­os à infraestru­tura e energia renovável. Faz toda diferença ter um potencial de cresciment­o de 1,5% ou 3%. Com 3%, fica muito mais fácil controlar a dívida pública, reequilibr­ar as contas do governo e entrar num círculo virtuoso de maior equilíbrio fiscal, mais cresciment­o e maior geração de renda. Mas buscar esse número sem estimular o investimen­to não trará o resultado desejável.

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