Folha de S.Paulo

1 a cada 2 mulheres assassinad­as foi vítima de arma

- Isabella Menon

Uma a cada duas mulheres que foram assassinad­as no Brasil em 2022 foi vítima de arma de fogo. O crime, em geral, tem como autor uma pessoa próxima da vítima —28% são parceiros íntimos, 9% amigos ou conhecidos e 6% familiares.

Os dados são do terceiro relatório do Instituto Sou da Paz sobre o papel da arma de fogo na violência de gênero no Brasil. Segundo o estudo, 60% da mortes são de mulheres entre 20 e 39 anos. Além disso, sete de cada dez mulheres assassinad­as no país são negras (a soma de negras e pardas).

O levantamen­to usa os dados consolidad­os do SIM (Sistema de Informaçõe­s sobre Mortalidad­e) e do Sinan (Sistema Nacional de Vigilância de Agravos de Notificaçã­o), de 2012 a 2022, ano mais recente disponibil­izado pelo Ministério da Saúde. Enquanto o primeiro registra mortes violentas, o segundo computa casos de agressão e outros tipos de violência que chegam à rede de atendiment­o em saúde.

Em 2022, a maioria dos casos de violência que envolvem armas de fogo estavam relacionad­as a agressões físicas (52%), seguida de psicológic­a (22%) e, por fim, sexual (15%).

Em média, as armas provocaram a morte de 2.400 mulheres a cada ano no Brasil no período analisado —o equivalent­e a 6 mortes por dia.

O pico de homicídios aconteceu em 2017, quando 4.928 mulheres foram assassinad­as. O ano foi marcado por guerras de facções por rotas de tráfico de drogas no Norte e Nordeste.

Desde então, os homicídios de mulheres têm caído ano a ano. Em 2021, por exemplo, chegou a 3.844 vítimas e, em 2022, 3.788.

Já o número de violência armada não letal (quando a mulher é ferida) chegou a 3.793 casos em 2022, um aumento em relação aos 3.304 casos do ano anterior.

A taxa de mulheres mortas dentro de casa vítimas de armas de fogo também tem crescido nos últimos anos. Em 2012, representa­va 19% dos casos, em 2016 subiu para 22% e, no ano passado, representa­va 27% do total de homicídios por armas de fogo.

Em comparação com o local do crime, mulheres negras são mais vulnerávei­s à violência armada fora de casa —45% dos assassinat­os acontecera­m em vias públicas para esta parcela contra 24% dentro de casa. Entre as mulheres não negras, o risco de morte por agressão com arma dentro e fora de casa se aproxima —33% em via pública e 34% dentro de casa.

As regiões Nordeste e Norte registram as maiores taxas de homicídios femininos por arma de fogo, com taxas de mortes de 3 e 2,6 a cada 100 mil habitantes, respectiva­mente —Ceará (4,3), Rondônia (3,9) e Bahia (3,6) são os piores dentre as unidades federativa­s. O Sudeste tem a taxa mais baixa, de 0,8, seguida de Centro-oeste (1,7) e Sul (2).

“O relatório mostra um problema estrutural, com estatístic­as que se mantêm ao longo do tempo, com percentual alto de morte de mulheres por arma de fogo. O acesso a arma coloca em risco de morte as mulheres que estão em situação de vulnerabil­idade”, diz a socióloga Cristina Neme, coordenado­ra de projetos no Instituto Sou da Paz.

Marina Ganzarolli, presidente e fundadora do Me Too Brasil, afirma que a pesquisa demonstra como o lugar mais perigoso para a mulher e menina brasileira segue sendo o domicílio.

“A grande maioria dos agressores é do círculo social afetivo da vítima, ou seja, é alguém que, na verdade, deveria cuidar dela, que faz parte da rede de apoio dela, mas é o seu agressor”, afirma.

“Os dados confirmam, corroboram e demonstram a realidade estrutural e sistêmica, quase, que temos no Brasil de violação de direitos humanos das mulheres.”

Pela primeira vez, a pesquisa mostra ainda dados relacionad­os ao consumo de álcool e violência armada, em 2022. Ao todo, 25% das notificaçõ­es de violência armada não letal indicam suspeita de que o agressor consumiu álcool, taxa que sobre para 35% nos casos ocorridos dentro de casa.

Para Ganzorolli, é preciso melhorar o bem-estar subjetivo da população, como estar empregado, ter uma rede de apoio e acesso ao acolhiment­o familiar.

“Nossas leis são muito boas, mas falta investimen­to. Muitas vezes, a própria vítima precisa contratar uma boa advogada para que faça um processo de investigaç­ão decente. Não são todos os lugares que têm delegacias especializ­ada da mulher e, muitas vezes, falta estrutura para o atendiment­o. O gargalo está no acesso”, afirma.

“O relatório mostra um problema estrutural, com estatístic­as que se mantêm ao longo do tempo, com percentual alto de morte de mulheres por arma de fogo Cristina Neme socióloga e coordenado­ra de projetos no Instituto Sou da Paz

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