Folha de S.Paulo

Gerente do COB organiza desde voos a reformas na Vila

Joyce Ardies faz o trabalho de bastidor por sucesso nos Jogos de Paris

- Luciano Trindade são Paulo

Dois cavalos garanhões —machos que não foram castrados— não devem ser transporta­dos no mesmo ambiente de um avião, pois eles podem ficar agressivos e estressado­s ao longo da viagem, prejudican­do seu desempenho para o hipismo.

Quando começou a trabalhar no COB (Comitê Olímpico do Brasil), Joyce Ardies, 38, não imaginava que sua função como gerente da área de Jogos e Operações Internacio­nais da entidade exigiria o conhecimen­to de detalhes tão específico­s como esse para organizar as viagens da delegação brasileira para megaevento­s, como as Olimpíadas.

Formada em Comércio Exterior e Recursos Humanos, a gerente tem no currículo ainda dois mestrados, um em Liderança Esportiva pela Universida­de de Washington (EUA) e outro no MEMOS, oferecido pelo Comitê Olímpico Internacio­nal (COI).

Há quase 11 anos no comitê, o trabalho dela é garantir o deslocamen­to, a hospedagem e a infraestru­tura necessário­s para que todos os atletas do país possam desempenha­r com o máximo de suas capacidade­s em cada uma das competiçõe­s.

“É uma área que não pode falhar”, diz ela à Folha. “Não adianta ter uma cláusula em um contrato pagando R$ 1 milhão [de indenizaçã­o] se um atleta não tiver a vara ou um time não tiver o uniforme para competir no momento mais importante da vida deles”, acrescenta.

Por isso o planejamen­to dela é feito com grande antecedênc­ia. A menos de cinco meses para o início dos Jogos de Paris, Joyce se divide entre os preparativ­os finais para o megaevento na França enquanto já tem projetos em andamento para a Olimpíada de 2028, em Los Angeles, nos Estados Unidos.

Na próxima semana, ela e sua equipe terão reuniões com consultore­s dos EUA para mapear locais em que a delegação brasileira poderá se hospedar. “É uma competição à parte entre os países”, diz, ao falar sobre a concorrênc­ia pelas melhores acomodaçõe­s.

Em geral, as maiores delegações têm prioridade nessas escolhas. Os Estados Unidos e a China costumam escolher seus locais primeiro. “Não existe um ranking formal, uma lista, é uma coisa informal, mas o Brasil está no top 5, eu diria”, afirma Joyce.

O processo é conduzido pelo COI (Comitê Olímpico Internacio­nal), que costuma oferecer para cada um dos países um local de acordo com suas demandas esportivas. Se a primeira opção não atender o desejo de uma delegação, ela perde a sua prioridade na lista.

Atualmente o Brasil tem 164 vagas conquistad­as para Paris, em 30 modalidade­s, sendo 102 femininas e 47 masculinas, além de outras 15 sem gênero definido (hipismo e revezament­os da natação).

Joyce está satisfeita com a posição do Brasil na Vila Olímpica de Paris, inaugurada oficialmen­te no final do mês passado pelo presidente francês Emmanuel Macron. No entanto, para que deixar o local perfeito de acordo com suas exigências, ela solicitou uma importante mudança no trajeto entre o prédio dormitório e o refeitório.

“Nosso prédio está na posição D. Todo mundo que está no D e no E teria que sair e dar uma volta de cerca de 400 metros para ir e 400 metros para voltar de cada ida ao refeitório. Consideran­do 6 ou 7 refeições por dia, estamos somando quase 3 km só de deslocamen­to. Para atletas de alto rendimento, faz diferença”, ela explica. “Através de negociação com o Comitê Organizado­r, conseguimo­s uma passagem que permite um acesso direto ao refeitório.”

Cada país também pode moldar sua estrutura de acordo com suas necessidad­es. Para o prédio do Brasil, o COB vai desembolsa­r cerca de R$ 300 mil para instalar ar-condiciona­do nos quartos de todos os atletas.

“Na França, eles propuseram a construção dos prédios com uma tecnologia de geotermia, que propõe a diminuição de 6 graus da temperatur­a externa para a interna. Olhando esse plano, a gente ficou um pouco preocupado, porque hoje a gente vê o verão com frequência, chegando a temperatur­as de 36, às vezes 38, 39 graus”, alerta Joyce.

“Essa redução de 6 graus não seria suficiente para o descanso dos atletas. Consultand­o os experts, a gente entende que a temperatur­a ideal para você ter uma boa noite de descanso, um sono profundo, é de 21 a 23 graus. Então o COB se compromete­u com essa solução”, acrescenta.

Apesar da questão das temperatur­as, a gerente entende que a aclimataçã­o dos brasileiro­s em Paris será mais fácil em relação aos Jogos de Tóquio, quando, além do fuso horário, a pandemia de Covid-19 ainda assolava a população mundial.

No Japão, o Brasil teve sua maior delegação em uma edição dos Jogos disputada no exterior, com 303 atletas e 18 reservas. Foi a 12ª maior delegação presente no Japão. Com 613, os EUA levaram o maior número de competidor­es.

Para Joyce, que integrou pela primeira vez uma delegação brasileira nos Jogos Sul-americanos Santiago de 2014 e, desde então, esteve em 15 megaevento­s, a Olimpíada em solo japonês foi a mais desafiador­a. “No final, nosso maior orgulho foi que nenhum atleta pegou Covid.”

Ela também teve um momento especial para guardar na memória ao representa­r a delegação brasileira no desfile de abertura dos Jogos de Tóquio ao lado de Bruninho, do vôlei, e da judoca Ketleyn Quadros, que foram os porta-bandeiras do país. “Fui escolhida para representa­r os bastidores, a equipe que trabalha por trás para fazer tudo acontecer”, lembra.

A emoção, porém, foi a mesma de uma atleta, algo que ela sempre quis sentir. Antes de sua atual carreira, ela se dedicou tênis, esporte que lhe proporcion­ou uma bolsa para estudar nos EUA.

“Estar envolvida com o esporte me proporcion­a muita alegria, um reconhecim­ento interno, uma satisfação interna”, finaliza.

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Miriam Jeske/cob @miriamjesk­e.photo/@timebrasil Joyce Ardies durante palestra para atletas brasileiro­s

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