Folha de S.Paulo

Cartada constituin­te

Apelar à assembleia que muda Carta colombiana mostra mais fraqueza do que força de Petro

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O roteiro é conhecido. Quando um governante enfrenta percalços políticos, saca da algibeira a proposta de convocar uma Assembleia Constituin­te. Foi o que fez o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, num discurso a apoiadores.

A maioria dos colombiano­s deu seu voto ao programa esquerdist­a de Petro, mas também escolheu pelas urnas o Legislativ­o, que pode ter um perfil ideológico diferente daquele do governante.

É da essência da democracia que propostas do Executivo sejam escrutinad­as no Parlamento —trata-se do sistema de freios e contrapeso­s. Se faz parte do jogo político que os atores busquem apoio popular para seus projetos, é preciso cuidado para não lançar as instituiçõ­es umas contra as outras.

A jogada de Petro, contudo, tem tom um pouco menos antissiste­ma. A Carta colombiana, de 1991, prevê, entre as fórmulas de reformas regulares do texto, a convocação de Assembleia Constituin­te.

A proposta precisa passar pelas duas Casas do Legislativ­o —que definirão escopo das mudanças, formato, prazo de conclusão— e ser submetida à população. Se os eleitores acatarem a criação da assembleia, ainda haverá um novo pleito para escolher seus membros.

Um processo difícil, portanto. Ademais, parlamenta­res de vários partidos rechaçaram veementeme­nte a ideia do presidente na sessão plenária do Senado.

Há duas situações em que dirigentes propõem alterar a Constituiç­ão. Na primeira, quando estão enfraqueci­dos. Parece ser o caso de Petro, que enfrenta dificuldad­es para aprovar projetos, perde apoio de partidos e ainda se vê enredado em escândalos relativos a financiame­nto de campanha.

Na segunda, quando gozam de força política e popular. Essa é a situação mais perigosa, com maior risco de mudanças que retiram limitações necessária­s ao poder do governante. Já vimos esse filme, com Vladimir Putin, Hugo Chávez, Viktor Orbán ou Nayib Bukele.

Espera-se que Petro evite a trilha autoritári­a e busque convencer a classe política de que suas propostas merecem aprovação —ou procure adaptá-las, como recomenda o caminho mais democrátic­o.

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