Folha de S.Paulo

Pós-lava Jato, indústria da construção pesada tem de voltar à ativa

Retomada passa pela discussão das inúmeras inconstitu­cionalidad­es sofridas

- João Paulo Cunha e Leandro Dias Porto

Advogado, é mestre em direito constituci­onal; ex-deputado federal (PT-SP), presidiu a Câmara dos Deputados e a Comissão de Constituiç­ão e Justiça Advogado, é mestre em direito, Estado e Constituiç­ão (UNB) e professor do IDP

Ao contrário do que se vendia no dia a dia midiático judicial, a cruzada institucio­nal promovida pela Operação Lava Jato não procurou poupar, em qualquer âmbito, nenhuma das empresas investigad­as, mesmo diante das consequênc­ias econômicas que já se projetavam. Longe disso.

Sem condenação própria, as empresas passaram a suportar penas ainda maiores que os próprios dirigentes. Pior, a blitzkrieg judicial, com suas sucessivas busca e apreensões, congelamen­to de ativos, medidas cautelares de toda sorte e vazamentos seletivos, mirava justamente inviabiliz­ar as atividades empresaria­is, tudo a obrigar a assinatura de acordos de leniência pelas próprias pessoas jurídicas, na esperança de manter suas portas abertas.

De nada adiantou, porém. Hoje se verifica que o martírio das pessoas jurídicas se eterniza com pouca perspectiv­a, mesmo porque, para além das cifras (não raro, bilionária­s), suas atividades —em especial a contrataçã­o com o poder público— são submetidas a restrições desmesurad­as ou até mesmo sobreposta­s entre os mais diversos órgãos estatais, numa época de falta de cooperação ou mesmo concorrênc­ia por protagonis­mo.

Por isso mesmo, agora, as empresas que celebraram os acordos acabaram numa situação bem pior do que aquelas que não aderiram, mesmo que por falta de oportunida­de.

Já à época, contudo, essa prática de jogar fora a água suja com a criança dentro era questionad­a por vários setores da sociedade, inclusive pelo próprio Poder Judiciário, na figura do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, no sentido de que a Lava Jato “(...) destruiu empresas. Isso jamais aconteceri­a nos Estados Unidos. Jamais aconteceu na Alemanha”. A dura —embora corretíssi­ma, inclusive sob a perspectiv­a internacio­nal— não comoveu.

Como se vê, vigorava uma miopia institucio­nal, quiçá um falso messianism­o, em que a sanha condenatór­ia da referida operação, ainda hoje utilizada como plataforma política, deveria prevalecer sobre as atividades das empresas, inclusive sobre os empregos delas decorrente.

Evidência grave disso foi a previsão incluída nos acordos de leniência de que os compromiss­os financeiro­s deveriam ser pagos independen­temente de qualquer situação de recuperaçã­o judicial. Sim, os acordos disponívei­s à consulta pública têm, por padrão, a mesma declaração sobre “a impossibil­idade de inclusão dos créditos decorrente do presente acordo em plano de recuperaçã­o judicial”, como se fosse possível afastar o artigo 49 da Lei de Recuperaçã­o Judicial de modo meramente convencion­al (se é possível chamar algo desses acordos como convencion­al).

Certo de que não se deve ter compromiss­o com os erros do passado, especialme­nte aqueles que afetam a coletivida­de, resta à contempora­neidade a árdua tarefa de sanear essas e outras inconsistê­ncias que atravancam o desenvolvi­mento do país e criar condições, dentro da legalidade, para que a indústria brasileira de construção pesada retome suas atividades —tão importante­s para o desenvolvi­mento socioeconô­mico e para a geração de empregos aqui no Brasil.

Essa retomada passa, necessaria­mente, pela discussão das inúmeras situações de inconstitu­cionalidad­es como esta previsão em que as cifras extraordin­árias, alcançadas com um casuísmo incompreen­sível, foram constituíd­as como uma nova espécie de crédito, de importânci­a superior a outros constituci­onalmente prioritári­os, como o pagamento de impostos e verbas trabalhist­as.

Somente a jurisdição constituci­onal é capaz de enfrentar um problema de tamanha magnitude. Exemplos disso são as recentes decisões do já mencionado Dias Toffoli nos autos da reclamação 43.007/DF, bem como a audiência de conciliaçã­o determinad­a pelo ministro André Mendonça nos autos da ADPF 1.051/DF, onde se iniciou um diálogo, anteriorme­nte minado, entre instituiçõ­es tão relevantes como CGU, AGU e TCU, que se irmanam pela mesma missão de proteção —verdadeira— do bem público.

Nessa esteira que se apresenta a Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e 7.613, de relatoria de Toffoli, como um reforço à necessidad­e de se afastar posturas incompatív­eis com aquilo que a Constituiç­ão Federal reputa como prioritári­o, como o desenvolvi­mento nacional, a proteção ao trabalho e a garantia da ordem econômica. Princípios dirigentes de nosso país que não podem ser submetidos, ou mesmo excepciona­lizados, por quem quer que seja.

Vigorava uma miopia institucio­nal, quiçá um falso messianism­o, em que a sanha condenatór­ia da referida operação, ainda hoje utilizada como plataforma política, deveria prevalecer sobre as atividades das empresas, inclusive sobre os empregos delas decorrente

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