Folha de S.Paulo

Papel de vítima

- Hélio Schwartsma­n helio@uol.com.br

Inelegível e acuado, o que resta politicame­nte a Jair Bolsonaro é tentar convencer as pessoas de que ele sofre perseguiçã­o judicial. Se você consegue lançar dúvidas sobre os aspectos formais de um inquérito ou julgamento, desvia a atenção do conteúdo das acusações, que, no caso do ex-presidente, são muitas e muito graves. Nessa linha, ter a prisão preventiva decretada por Alexandre de Moraes serviria para alimentar essa narrativa.

Hesito, porém, em considerar que o episódio da embaixada húngara tenha sido um gesto deliberado para forçar uma ação do STF que o colocaria no papel de vítima. Penso que Bolsonaro tem as intuições políticas certas, mas é caótico na execução de qualquer plano mais elaborado. Se ele fosse um pouco mais metódico e inteligent­e, teria vencido a eleição e nós nem estaríamos discutindo essas questões.

Bom ou ruim de planejamen­to, Bolsonaro já convenceu parcela significat­iva da população de que recebe tratamento injusto do Judiciário.

Segundo pesquisa Quaest do mês passado, 39% dos brasileiro­s pensam que há perseguiçã­o ao ex-presidente. Os que rejeitam essa tese são 53%, e 7% não souberam opinar ou não respondera­m. É uma minoria bem significat­iva, que pode crescer ou diminuir não apenas por causa de novas provas e fatos relativos aos processos que venham a ser revelados mas também ao sabor de mudanças nos ventos políticos. Lula apostou nessa mesma estratégia de declarar-se injustiçad­o e acabou tendo êxito.

Há um detalhe, contudo, que torna a situação de Bolsonaro mais difícil. Ao que tudo indica, seus processos serão julgados no STF, não na primeira instância. Como magistrado­s não gostam muito de se desdizer, isso significa que não haverá tantas oportunida­des para reviravolt­as processuai­s que anulem decisões de cortes inferiores. Há certa ironia aí, já que o desaforame­nto sempre foi visto como um elemento que favorecia a impunidade de políticos.

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