Folha de S.Paulo

A agonia da esperteza sionista

Jornalista britânico usa o velho truque de relacionar o judaísmo à doutrina

- Breno Altman Jornalista, fundador do site Opera Mundi e autor do livro “Contra o Sionismo - Retrato de uma Doutrina Colonial e Racista” (Alameda Editorial)

Esta Folha publicou, no último dia 16 de março, uma entrevista com Jake Wallis Simons (“‘Lula é um idiota útil do Hamas’, diz autor de livro sobre antissemit­ismo”). O personagem, sionista fanático, é jornalista britânico e editor do semanário “The Jewish Chronicle”, além de autor do livro “Israelopho­bia”.

Na escalada de respostas antes de insultar o presidente brasileiro, Simons tratou de vender seu peixe, colocando o Estado de Israel como pobre vítima de suposto antissemit­ismo —tanto da parte de organizaçõ­es palestinas insurgente­s quanto dos milhões que saíram às ruas para protestar contra a carnificin­a promovida pelo governo de Binyamin Netanyahu na Faixa de Gaza.

Além de reclamar da mídia internacio­nal —“Os jornalista­s ocidentais parecem muito felizes em se tornar um megafone para o Hamas” e “A impressão (...) é que Israel não está lutando contra o Hamas, mas contra mulheres e crianças”—, o entrevista­do chorou as pitangas por terem ocorrido tão rapidament­e manifestaç­ões contra as brutalidad­es do regime sionista.

Suas explicaçõe­s confluem para a infame leitura de que, desde 7 de outubro, estaria em curso uma nova onda de ódio contra os judeus. Essa raiva antissemit­a estaria brotando do nada, uma espécie de deformação moral atávica de grande parte da humanidade, um surto racista que teria como vítima a melhor e mais doce das encarnaçõe­s judaicas, o Estado de Israel.

Tirou da cartola o velho truque de identifica­r o judaísmo com a doutrina sionista para poder igualar antissioni­smo a antissemit­ismo. O povo palestino não estaria lutando, apoiado por milhões de pessoas mundo afora, contra um regime colonial e racista, mas enfrentand­o os judeus como grupo étnico, ainda que milhares de judeus também estejam nas ruas denunciand­o a natureza criminosa do sionismo realmente existente.

Para o senhor Simons, não existem décadas de ocupação dos território­s palestinos, ao arrepio do direito

O povo palestino não estaria lutando, apoiado por milhões de pessoas mundo afora, contra um regime colonial e racista, mas enfrentand­o os judeus como grupo étnico, ainda que milhares de judeus também estejam nas ruas denunciand­o a natureza criminosa do sionismo realmente existente

internacio­nal e dos mais comezinhos princípios civilizató­rios. Não há o massacre contínuo de um povo submetido a métodos de segregação, opressão e aniquilame­nto. Nem sequer considera a transforma­ção de Gaza, desde 2007, no maior campo de prisioneir­os do mundo, relembrand­o o Gueto de Varsóvia.

A julgar pelas opiniões que emitiu, seria pura invencioni­ce o assassinat­o brutal de mulheres e crianças, imensa maioria entre as mais de 30 mil vidas palestinas decepadas pelas tropas israelense­s. Mesmo que a imprensa ocidental seja sabidament­e submissa ao lobby sionista, ao ponto de profission­ais se mobilizare­m e até se demitirem para pressionar por uma cobertura mais equilibrad­a, esse cidadão considera que a mídia colabora... com o Hamas!

Por fim, se desforrou contra Lula pelo presidente brasileiro ter comparado indiretame­nte o regime sionista ao nazismo. Afinal, a ladainha vitimista é desmascara­da quando fica exposta sua mais brutal contradiçã­o: como pode um Estado cuja pia batismal é o Holocausto exercer, contra outro povo, práticas tão semelhante­s às empregadas pelo governo de Hitler contra os judeus?

O senhor Simons tem razão em ficar nervoso com a indignação mundial, com o ódio e o nojo provocados pelo Estado de Israel. A cantilena sionista, esperteza de algibeira, pode estar com seus dias contados.

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