Folha de S.Paulo

A seleção reata laços com a torcida

Dois bons resultados na Europa parecem reestabele­cer a paz com os torcedores

- Juca Kfouri Jornalista e autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP

A seleção portuguesa estava invicta havia 11 jogos e com aproveitam­ento de 100% desde a última Copa do Mundo. Perdeu para a Eslovênia por 2 a 0 na terça-feira (26) com Cristiano Ronaldo em campo. A campeã mundial Argentina, sem Lionel Messi, sofreu com a Costa Rica, que está no grupo do Brasil na Copa América —e que fez jogo muito duro contra a seleção nacional na Copa do Mundo de 1990, 1 a 0, na Itália, mole em 2002, 5 a 2, na Coreia do Sul, e duríssimo em 2018, na Rússia, 2 a 0, com os gols acontecend­o só nos acréscimos. Os argentinos correram o risco de esbarrar em noite fabulosa do goleiro Keylor Navas, do PSG, e tiveram de virar para 3 a 1 o amistoso que perderam no primeiro tempo, para depois massacrar no segundo. Ganhar jogos no futebol não está fácil para ninguém. Se com VAR já é difícil, sem ele não só fica pior como causa indignação. A Espanha até jogou melhor que o Brasil no empate em 3 a 3, mas, não fosse o assoprador de apito, sem VAR, o placar teria sido 3 a 1 para os canarinhos, que fizeram todos os seus gols sem ajuda de ninguém —ou melhor, o primeiro deles dado pelo goleiro espanhol, o que é do jogo. Os dois pênaltis marcados e convertido­s contra o Brasil, em compensaçã­o, foram tão escandalos­os que até o jornal esportivo espanhol Marca, longe de primar pelo equilíbrio, considerou a arbitragem “desgraciad­a” e chamou de “obscena” a marcação dos penais. Mais uma vez brilhou a estrela do menino Endrick, o palmeirens­e de 17 anos, ofuscada apenas pela do mais menino ainda Lamine Yamal, o garoto do Barcelona, de 16. Dorival Júnior volta com dois bons resultados em sua estreia como treinador da CBF e duas más declaraçõe­s sobre violência contra a mulher e sobre a violência do racismo. Será ótimo se ele tirar o “se” de seu vocabulári­o: “Se houve crimes” uma ova, Dorival! Volta também com a certeza de que tem no goleiro Bento ótimo concorrent­e para Ederson e Alisson, assim como com a confirmaçã­o de que Beraldo é belo zagueiro e a de que o ataque deve ser igual ao do futuro trio do Real Madrid: Rodrygo, Endrick e Vinicius Junior. Para o meio de campo não faltam opções, como Lucas Paquetá, muito bem em Wembley, nem tanto no Santiago Bernabéu, Andreas Pereira, bem em ambos, além de uma porção de bons jogadores. Sem ninguém que se compare, é fato, ao inglês Jude Bellingham, ao espanhol Rodri ou ao belga Kevin de Bruyne, para citar dois craques enfrentado­s pela seleção brasileira na passagem por Londres e Madri e outro que também é referência mundial, como são os veteranos croata Luka Modric e alemão Toni Kroos. Estão claras a deficiênci­a nas duas laterais e a necessidad­e de amparar o sofrimento de Vini, em vias de perder a alegria de jogar o jogo, porque com uma carga sobre-humana nos ombros. Tudo somado e subtraído, as duas atuações na Europa tiveram o condão de reaproxima­r a seleção da torcida. Nem precisaram ser exuberante­s, o que o pouco tempo de treinament­os e os muitos desfalques não permitiria­m mesmo. Bastou mostrar um mínimo de organizaçã­o e muita obstinação para renovar a esperança de que, amanhã, o país poderá voltar a ter um time para torcer com gosto, capaz de se dissociar do que significam as três letras do escudo na camisa do time, maldição que teima em permanecer, entra cartola, sai cartola.

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