Folha de S.Paulo

Oposição entre aço e cerâmica se dissolve em mostra aberta em São Paulo

- João Perassolo são paulo Galeria millan - r. fradique Coutinho, 1.430, São Paulo. Livre. Seg. a sex., das 10h às 19h, e sáb, das 11h às 15h. Até 13 de abril. Grátis

Ela trabalhou com cerâmica, e ele, com aço. Apesar de diferentes, os dois materiais são mais próximos do que aparentam, a julgar pela exposição de Kimi Nii e Amilcar de Castro em cartaz até 13 de abril na galeria Millan, na Vila Madalena, em São Paulo.

Para estabelece­r conexões formais entre os dois artistas, Antonio Gonçalves Filho, o organizado­r da mostra, colocou lado a lado peças de cerâmica da nipo-brasileira feitas entre 1989 e 2023 e esculturas do mineiro produzidas de 1980 a 1996. Enquanto as dele têm precisão matemática, as dela são mais fluidas.

A primeira caracterís­tica a prender a atenção do visitante é como o aspecto da argila pode remeter visualment­e ao ferro. Uma das peças de Nii em forma de triângulo tem um acabamento de óxido na cerâmica que engana o espectador desavisado, dado que a obra lembra muito uma das pequenas esculturas de Casto posicionad­as ao redor.

Material à parte, Nii deixa quadrados vazados em algumas de suas peças, procedimen­to também usado por Castro em suas esculturas. O organizado­r da mostra destaca outra semelhança —ambos os artistas mantêm uma forte ligação com a natureza graças às matérias-primas que utilizam, o ferro e a argila.

“Não tem como você falar isso c cultura, aquilo é natureza. Isso é uma falsa dicotomia. Para mim, são as mesmas coisas”, afirma Filho.

Ele acrescenta que a ceramista, mais do que Castro, tem uma grande influência das formas orgânicas, à medida em que ela replica ranhuras de árvores nas peças em formato de tubo dispostas no chão da galeria ou emula um bambu na grande obra exposta no final da primeira sala.

Nascida em 1947, em Hiroshima, Nii se mudou com a família para o Brasil ainda criança e mais tarde se formou em desenho industrial. Ela conta que ter estudado design ajuda na execução das peças abstratas de cerâmica, porque consegue projetar já com as medidas antes de levar a argila moldada ao forno para a queima.

Ainda assim, ela só consegue prever mais ou menos o resultado final, porque as formas geométrica­s são difíceis de executar em cerâmica. “Durante a execução, a peça pode deformar. Mas comecei a tirar proveito da deformação”, diz, em conversa por telefone. Algumas de suas obras têm rasgos causados pela queima, o que é encarado como parte do processo, não como erro.

Nii diz sentir afinidade com a maneira de pensar de Castro. “A simplicida­de com que Amilcar resolve, simplesmen­te com uma chapa, um corte e uma dobra, é demais.”

Se há uma diferença entre os artistas é que o mineiro lidava mais com os vazios, e Nii, com os encaixes. Operando apenas com o corte e a dobra de chapas de aço corten, Castro deixava em suas esculturas vazados, que por sua vez formam outras figuras, seja a olho nu, seja pela incidência da luz sobre a peça.

Já a artista acopla peças de cerâmica esmaltada em esculturas maciças, evidencian­do as formas pelas diferenças cromáticas entre uma parte e outra da obra, um procedimen­to que Castro não adotava, dado que suas obras são de aço puro, sem tratamento.

Amilcar de Castro e Kimi Nii

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