Folha de S.Paulo

Em exposição de looks, Masp celebra e problemati­za a moda

Museu exibe trajes feitos sob encomenda com peças glamorosas e minimalist­as

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João Perassolo [

Mesmo que o Masp tenha uma coleção de cerca de 600 figurinos em seu acervo, não é comum ver uma exposição de moda no museu

A última foi em 2015, com peças selecionad­as ainda na década de 1970 pelo fundador, Pietro Maria Bardi

Na década de 1980, o espaço sediou a mostra ‘Traje: Um Objeto de Arte?’

É roupa ou obra de arte? Uma exposição no Masp que abre nesta sextafeira quer embaralhar a definição do que pode ser vestido ou exibido para apreciação.

Em “Arte na Moda: Masp Renner”, o Museu de Arte de São Paulo traz a público, pela primeira vez, 78 trajes desenvolvi­dos por 26 duplas de estilistas e artistas. Criadas entre 2017 e 2022, as peças foram comissiona­das pela instituiçã­o, sendo incorporad­as diretament­e à sua coleção sem serem vestidas, exceto pelos modelos durante o ensaio fotográfic­o para o catálogo.

“A primeira função da roupa no museu é pensar o que é uma roupa, para que ela serve”, afirma Leandro Muniz, que organizou a exposição junto a Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp.

“Ela é um objeto cotidiano porque está no seu corpo e no corpo de todo mundo, mas quando entra no museu vira um objeto mais de reflexão do que ligado a um fluxo de consumo, de pura expressão pessoal ou de significaç­ão de um grupo”, acrescenta ele.

Passear pelo cenário dramático de cortinas cinzas e meialuz onde o vestuário está exposto, no subsolo do Masp, é entender quem é quem na moda e na arte contemporâ­nea brasileira. Por exemplo, André Namitala, o fundador da Handred, marca carioca que preza por uma sofisticaç­ão à brasileira nas peças, criou um look com Ayrson Heráclito, nome central para pensar racialidad­e na arte.

Trata-se de um conjunto de saia de palha com um casaco cravejado de pérolas barrocas, peça que levou 400 horas para ser feita. Acompanha o look um acessório em formato de coração que pende do ombro esquerdo do manequim.

Já o figurino da estilista Vicenta Perrota com o artista Randolpho Lamonier foi confeccion­ado a partir da barraca de uma pessoa em situação de rua, à qual foram costuradas camisetas de movimentos sociais, como um “patchwork”. “Este trabalho é um ‘statement’ político e pensa a roupa como abrigo. A primeira arquitetur­a que a gente veste é a roupa”, diz Muniz.

Por mais que o Masp tenha uma coleção de cerca de 600 figurinos em seu acervo, não é comum ver uma exposição de moda no museu. A última foi em 2015, com peças selecionad­as ainda na década de 1970 pelo fundador da instituiçã­o, Pietro Maria Bardi. Antes desta exposição, na década de 1980, o Masp sediou uma mostra chamada “Traje: Um Objeto de Arte?”.

A coleção de moda do Masp, que inclui roupas de estilistas menos conhecidos, foi formada por doações na segunda metade do século 20. Há peças da Dior —que desfilou no Masp em 1951, quando o museu ainda era na rua Sete de Abril, no centro de São Paulo— e do surrealist­a Salvador Dalí, tesouros de um acervo que precisa ser muito mais estudado, afirma Muniz.

Como se vê nas peças expostas, moda não é só glamour, mas reflete sua época e contexto social. Gloria Coelho e Laura Vinci desenvolve­ram looks sóbrios, em preto e branco, nos quais uma carapuça envolve a cabeça do manequim, numa alusão às proteções faciais usadas na pandemia.

A referência à Covid aparece num dos trajes de Sonia Gomes e Gustavo Silvestre, onde vemos um logo do delivery de comida iFood num dos braços. As peças da dupla, um encontro entre os retalhos de Gomes e os tricôs de Silvestre, foram feitas por correspond­ência, durante a pandemia.

Muniz conta que, para o museu, as peças mostradas se situam entre a moda e a arte, embora nunca tenham circulado pela indústria têxtil e demandem cuidados para serem exibidas, como a luz mais baixa para não desgastar o tecido. Depois da exposição, os figurinos serão armazenado­s no escuro por ao menos nove meses para se recuperare­m.

A feitura dos trajes não é tão veloz quanto o ritmo de produção da indústria da moda e se assemelham mais com o processo de criação de uma obra de arte. Segundo Muniz, “quando a roupa entra no museu, o tempo é problemati­zado —não é o mundo do consumo imediato da moda”.

Arte na Moda: Masp Renner

Masp - av. Paulista, 1.578, São Paulo, masp.org.br. Livre. Ter., das 10h às 20h, e qua. a dom., das 10h às 18h. Até o dia 9 de junho. R$ 70. Grátis às terças

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A modelo Teodora Oshima veste traje de Randolpho Lamonier e Vicenta Perrotta, ‘Casa Transcomun­al’, criado a partir da barraca de uma pessoa em situação de rua Cassia Tabatini/Divulgação

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