Folha de S.Paulo

Saiba como fugir das arapucas turísticas e comer bem em Paris

Capital da França, sede das Olimpíadas deste ano, tem suas armadilhas gastronômi­cas, mas serve boa comida

- Marcos Nogueira

Viajar é se deixar perder por ruas e por becos desconheci­dos. Fica mais legal quando você vai na intuição e tropeça em um restaurant­e fantástico que apareceu no meio do caminho. Isto posto, um pouco de juízo ajuda muito. Porque cidades turísticas são cheias de armadilhas, veja bem, turísticas.

Vale para Londres, para Roma, Nova York, Lisboa, Ouro Preto e Rio de Janeiro. Vale especialme­nte para Paris, que em ano de Olimpíada se torna a capital mundial das arapucas de turista. A capital francesa é uma cidade perfeita para bater perna. As áreas mais “passeáveis” estão quase todas na várzea do Sena e são, portanto, planas.

O emaranhado de ruas estreitas que deságuam em bulevares dá uma dramaticid­ade singular aos assombros da caminhada —quando, do nada, surge na sua frente uma Notre Dame. Aí, quando você já está com o pé inchado, o estômago reclama. Você precisa comer imediatame­nte.

É nesse momento que o viajante se torna uma vítima indefesa dos bistrôs caça-níqueis e do homem que vende crepes na rua. Dois tipos que devem ser evitados a qualquer custo em Paris.

Os bistrôs malignos são aqueles com muitas mesas na calçada, uma babel de idiomas falados pelos clientes, uma lista de promoções numa placa do lado de fora e funcionári­os destacados para fisgar transeunte­s incautos.

Não se identifica um bom bistrô só pela aparência, mas preste atenção nos indícios: eles costumam ser discretos e ficar um pouco afastados, às vezes uma quadra apenas, do fluxo turístico principal. Aposte nos restaurant­es de cozinha regional francesa.

Cozinha bretã, normanda, alsaciana, borgonhesa. Quase sempre são casas tocadas por famílias vindas dessas regiões, que oferecem comida autêntica e caprichada.

Eu me dei muito bem em um restaurant­e chamado Les Fabricants, no 11º arrondisse­ment, mais ou menos perto do cemitério Père-Lachaise. É um lugar especializ­ado na culinária do sudoeste francês, onde a carne de pato reina.

Mesas sem toalha, vinho da casa na taça de vidro e o serviço feito por duas mulheres que, apesar da correria, conseguem ser simpáticas. Um cassoulet fenomenal, de feijão-branco com coxa de pato, linguiça de alho e bacon, saiu por 19 euros —preço fabuloso para uma comida assim.

Então conheci a parte ruim de frequentar um lugar nada turístico. Ao pedir a maquininha para pagar a conta, uma das mulheres me disse que a casa só aceitava dinheiro vivo.

Expliquei que tudo o que eu carregava era um celular. Por milagre, uma máquina de cartão surge de trás do bar. Tudo resolvido sem conflito —nessas, você se apercebe de que os franceses também são latinos.

No outro extremo do poder aquisitivo, não é novidade que Paris reúne uma seleção formidável de restaurant­es. Se você tiver bala, vale reservar uma noite —reserve antes de viajar— para comer bem com todos os salamalequ­es.

Mas nem só de “haute cuisine française” —a alta gastronomi­a francesa— vive a elite da gastronomi­a em Paris. A cidade, que já foi capital de um império colonial, comporta influência­s que vão do Marrocos ao Vietnã.

Jantei no Boubalé, um restaurant­e de culinária da Europa Oriental dentro do novo hotel 5 estrelas Le Grand Mazarin —fui convidado, “bien sûr”, pois pobre, pobre, pobre de Marais, Marais, Marais.

É no bairro judeu que fica a moderna cozinha do chef israelense Assaf Granit, que em Paris também tem o Shabour, estrelado pelo Guia Michelin.

O menu teve atum marinado na beterraba com tâmaras frescas. Goulash de bochecha de boi com nhoque. Uma massinha chamada siske, recheada de carne, ao molho beurre blanc com temperos do Cáucaso. Doido e delicioso demais.

No dia seguinte, a realidade plebeia se impõe implacável. O jeito é comer na rua, mas não vou encarar os crepes xexelentos. Tem coisa muito melhor. A começar pelo que você encontra nos supermerca­dos.

Redes como Monoprix e Franprix oferecem ótimos queijos, patês e charcutari­a em geral, além de um pão razoável. E vinho, não podemos nos esquecer dele. Excelente vinho francês por preço de “sang du bois”. Tem saca-rolhas e copo descartáve­l também.

Se você for a um marché, a um mercado raiz, as chances de encontrar comida maravilhos­a sobem para 100% ou um pouco mais. Nas minhas andanças, topei com o mercado de Saint-Quentin, próximo das estações ferroviári­as Gare du Nord e Gare de l’Est.

É um mercado pequeno, inaugurado em 1836, que põe no chinelo qualquer mercado público de São Paulo. Tem açougues, peixarias, queijarias, lojas de comidas finas e, último mas não menos importante, um brasileiro chamado La Bahianaise (que não estava aberto na minha visita).

Em Paris, é quase impossível se estrepar quando o assunto é pão. Não precisa ser pão puro, que já é bom demais. O sortimento de sanduíches prontos à venda nas ruas parisiense­s tende ao infinito.

Há a rede Paul, presente em tudo quanto é esquina e estação, que vende lanches sempre aceitáveis, nunca memoráveis. Há os kebabs das mais variadas origens (libanesa, persa, afegã etc.), que espalham neons de churrasco grego e cheiro de especiaria­s por toda a cidade.

E há as lojinhas, as delicatess­ens familiares. Achei uma dessas, por sorte, nos arredores na Gare de Lyon, quando chegava para pegar um trem bem na hora do almoço.

Na vitrine, a minúscula Epicerie Yucos deixa uma lousa com sugestões de montagens. Na prática, você pode combinar quaisquer tipos de queijos, frios e conservas numa baguete excepciona­l.

Pedi um sanduíche, começaram a fazer, vi que seria grande demais, acabei levando só meia porção. Queijo comté, presunto cozido e salada, por 6 euros somente. O melhor almoço da viagem foi um misto frio a 300 km/h. Ou meio.

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Johann Pai/Divulgação Acima, ambiente do Boubalé, em Paris; abaixo, bolinhos servidos com mexilhões no restaurant­e
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