Folha de S.Paulo

Em Bali, pela sétima vez

quando um sonho se repete tantas vezes, como fazer dele uma novidade?

- Zeca Camargo Jornalista e apresentad­or, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”

De cara, peço que você descarte qualquer julgamento. O número de vezes que visitei Bali, estampado no título de hoje, não é um placar de vaidade. Você me acompanha aqui, eu viajo, e Bali é um destino até meio óbvio para nós que dividimos esta paixão. Dito isto, declaro que esta sétima passagem por lá me trouxe muitas surpresas. Eu fui basicament­e a lugares que já conhecia, na esperança eterna de renovação: de ares, de valores, de quereres. E ela veio inesperada­mente. Fui a pontos turísticos que não conhecia também, como os Portões do Céu, no templo de Lempuyang, onde tirei a foto icônica com as esculturas que desenham uma moldura no horizonte. Você sabe qual é. Uma simples busca no Google e você já sabe o que vai encontrar: alguém saltando ou orando naquela paisagem infinita da ilha encantada. E mais, quase todas essas imagens virão espelhadas, “refletidas” num lago plácido que multiplica a beleza e a serenidade do local. É lindo demais, e eu mesmo não resisti e tirei essa foto. Só que ela não é de verdade. Não quero destruir nenhuma ilusão: Lempuyang é uma das coisas mais lindas que vi no mundo. Mas a tal imagem duplicada é uma farsa, fruto de um pequeno espelho que funcionári­os do templo colocam nas lentes do celular de quem esperou até uma hora na fila para conseguir aquele clique. O choque de ter descoberto esse truque mexeu comigo. Não é de hoje que noto que muitas viagens hoje são mais oportunida­des de selfies do que experiênci­as a serem vividas. E estou em paz com isso. Não sou daqueles viajantes rabugentos que reclamam que o turismo de massa está destruindo nossa vivência. Pelo contrário, defendo que quanto mais gente viajar, mais gente vai ter a chance de transcende­r com as trocas de cultura. Se tem aqueles que preferem que essa troca seja rasa, não é meu problema. Mas quando percebi que estava, lá em Lempuyang, numa arapuca que eu mesmo costumo criticar, parei para refletir.

O que eu estava fazendo em Bali pela sétima vez? Visitando os lugares que gosto, sim. Mas também tentando descobrir algo de novo. Só que, de repente, no meio da repetição monótona de fotos, percebi que teria que repensar toda minha viagem. Ela não poderia ser “apenas” a sétima passagem pelo mesmo lugar. Bali, para muitos, é um destino dos sonhos. E já foi o meu também. Mas quando esse sonho se repete tantas vezes, como fazer dele uma novidade? Saí das alturas de Lempuyang com isso na cabeça. Estava atormentad­o com essa questão. E quando cheguei ao meu hotel em Ubud, abri as janelas que davam para a floresta e fiquei só contemplan­do. Tinha pela frente o templo das águas, Pura Tirta. A floresta dos macacos, ali mesmo em Ubud. Uma performanc­e de dança balinesa. Um pôr do sol em Uluwatu. Coisas que já havia vivido. Mas eu queria algo inédito. Então, procurei novos ângulos de selfies. Em alguns lugares, não tirei nenhum. Andava em silêncio, alheio às hordas de turistas que, em Pura Tirta por exemplo, gritavam sob a chuva forte que caía nas bicas d’água onde iam se purificar. Andei por Bali como um totem zen, pensando no futuro, nas minhas viagens, nas coisas que não queria dividir com ninguém. E aos poucos aquele incômodo de estar em terras já exploradas simplesmen­te desaparece­u. Passei a me sentir menos um explorador do que um proprietár­io de toda aquela beleza. E se as pessoas que estavam ao meu redor não percebiam exatamente aquilo, eu nada podia fazer. Porque cada viagem, no final das contas, só comporta um passageiro. E é sozinho assim que vou para Bali um oitava vez.

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