Folha de S.Paulo

Haddad vê erro de Campos Neto em discussão sobre autonomia

Para ministro, presidente do BC deveria ter abordado o tema com o governo

- Paulo Ricardo Martins, Alex Sabino e Nathalia Garcia

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não procurou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para debater a autonomia financeira da instituiçã­o.

De acordo com ele, por se tratar de PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão), o tema deveria ter sido discutido com o governo. A ideia é transforma­r o BC em uma empresa pública com autonomia fiscal e orçamentár­ia.

“Tratando-se da Constituiç­ão do país, caberia uma conversa prévia com o presidente da República, que não houve. Foi isso que eu disse para o Roberto [Campos Neto]”, disse Haddad em entrevista à CNN divulgada nesta quarta (27).

A proposta tira qualquer “tutela ou subordinaç­ão hierárquic­a” do BC ao governo, o que gera críticas entre petistas.

Em uma série de entrevista­s, Haddad afirmou que o governo vai anunciar a criação de títulos para impulsiona­r o mercado imobiliári­o, disse que a Fazenda vai revisar a projeção de cresciment­o da economia de 2,2% para 2,5% neste ano e que o superávit de 0,5% previsto para 2025 dependerá do Congresso.

À CNN o ministro disse que a decisão de reter os dividendos extraordin­ários da Petrobras foi gerada por comunicaçã­o errada. “Você passa para o mercado uma ideia imprecisa sobre a sua intenção”, disse.

Em relação à petroleira, ele afirmou que a Fazenda vai atuar para “pacificar os ânimos”. “Eu não vejo nenhum problema em corrigir a rota quando estivermos passando uma mensagem equivocada.”

No começo de março, após a divulgação do balanço da estatal e da retenção dos dividendos extras, a Petrobras chegou a perder mais de R$ 55 bilhões em valor de mercado.

Haddad disse que as soluções na companhia serão técnicas. Na estatal, agora há um integrante da Fazenda no conselho de administra­ção.

O ministro também tratou de contas públicas. Segundo o novo arcabouço fiscal, a equipe econômica projetou déficit de 0,5% no ano passado, zero neste ano, superávit de 0,5% em 2025 e de 1% em 2026.

“A pedido do presidente [do Senado, Rodrigo] Pacheco [PSD-MG] e do presidente [da Câmara, Arthur] Lira [PP-AL], projetos de lei foram apresentad­os para chegarmos a uma equação. Isso vai definir o futuro da trajetória [do superávit]. O que estou querendo dizer é que vamos ao longo dos próximos dias definir com o Congresso o andar da carruagem, como vamos definir a trajetória daqui para frente.”

O ministro não quis se compromete­r a nenhum novo número e empurrou a responsabi­lidade para a ministra do Planejamen­to, Simone Tebet (MDB). É ela quem elaborará o PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentár­ias). O prazo para o envio é 15 de abril.

“As pessoas imaginam que o resultado primário depende só do Executivo. Isso é um erro”, afirmou.

À rádio Itatiaia Haddad falou do setor imobiliári­o. A ideia é que as prestações que um banco receberia pelo financiame­nto de um imóvel com garantia sejam transforma­das em títulos e que esses recebíveis possam ser negociados no mercado.

Ao vender esses papéis, a instituiçã­o financeira abre espaço em seu balanço para novos financiame­ntos. “O banco logo revende [o recebível] e abre espaço no seu balanço para financiar outro imóvel.”

Segundo ele, a proposta foi bem recebida pelas principais empresas do setor e promete alavancar a construção civil.

Haddad afirmou ainda que o governo do Rio discute a transferên­cia de uma dívida da Petrobras para a União em negociação para reduzir os juros da dívida do estado.

“A Petrobras tem uma dívida com o Rio de Janeiro. Se eles [companhia e governo estadual] chegarem a um termo de quanto é essa dívida, essa dívida da Petrobras com o governo do Rio pode ser transferid­a para o governo federal. Abate-se da dívida do Rio [com a União] e, além de tudo, o Rio deixa de pagar um juro tão elevado e cai a taxa de juro”, afirmou Haddad

À tarde, ele garantiu que reformas como a do imposto de renda chegarão ao Congresso ainda neste ano. “Eu sei que o Congresso vai decidir tudo. Se vai ser do gosto da Fazenda ou não, eu não sei”, disse em evento da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) durante visita do presidente francês, Emmanuel Macron.

O ministro comparou os esforços para construir um acordo entre o Mercosul e a União Europeia com a reforma tributária, e afirmou que, se a reformulaç­ão do sistema tributário pôde ser aprovada após 40 anos, o acordo comercial entre os blocos também pode ser finalizado depois de duas décadas.

Macron, no entanto, apresentou visão distinta. Segundo ele, o acordo é “péssimo”, porque tem 20 anos de negociaçõe­s e precisa ser reconstruí­do, levando em consideraç­ão as questões de clima, descarboni­zação e biodiversi­dade.

Quando lhe foi perguntado se continuari­a na Fazenda em um possível segundo mandato de Lula, Haddad desconvers­ou e disse que tem orgulho de seu trabalho.

Segundo ele, houve bolão no PT para prever quanto tempo ficaria no cargo. “Eu soube outro dia que, quando eu cheguei à Fazenda, fizeram um bolão de quanto tempo eu duraria aqui. Esse foi no PT, mas deve ter tido na Faria Lima, em outros lugares”, contou.

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Miguel Schincario­l/AFP O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em evento em SP

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