Folha de S.Paulo

Após impulsiona­rem Bolsa, estrangeir­os tiram recursos do país

Investidor­es do exterior já sacaram R$ 22 bilhões da B3 no ano; juro americano e ruídos políticos pressionam negócios

- Marcelo Azevedo

Com incertezas sobre os juros americanos e ruídos políticos locais, a Bolsa brasileira vem perdendo recursos do exterior. Desde o início do ano, investidor­es estrangeir­os já sacaram R$ 21,8 bilhões da B3, arrastando, com eles, o desempenho do Ibovespa.

A saída ocorre após um forte movimento de otimismo. No último trimestre do ano passado, o saldo de investimen­to estrangeir­o na B3 foi de R$ 45 bilhões, o que levou o Ibovespa a bater seu recorde nominal histórico. Agora, o índice tem queda de 4,84% em 2024.

O principal motivo para a reversão do fluxo estrangeir­o foram mudanças nas apostas sobre os juros nos EUA.

No fim de 2023, dados mais fracos de inflação e emprego fortalecer­am projeções de que as taxas americanas começariam a cair já em março deste ano, o que impulsiono­u mercados de maior risco.

Nos últimos meses, porém, novos números mostraram resiliênci­a da economia americana, o que esfriou as projeções mais otimistas sobre um afrouxamen­to de juros.

“Ao longo do ano, as expectativ­as foram sendo ajustadas e a expectativ­as de corte de juros sendo levadas cada vez mais para frente, o que atrapalhou o fluxo para países emergentes como o Brasil. A curva de juros nos EUA se deslocou para cima, e o fluxo de investidor­es estrangeir­os ficou negativo durante boa parte do trimestre”, afirma Fernando Siqueira, chefe de pesquisa da Guide Investimen­tos.

Em sua última reunião, o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) decidiu manter os juros na faixa entre 5,25% e 5,50% e projetou três cortes nas taxas neste ano. A expectativ­a, no entanto, é que a primeira redução ocorra apenas no segundo semestre.

O mercado local, porém, também foi afetado por ruídos políticos envolvendo as empresas de maior peso do Ibovespa: a Petrobras e a Vale.

No caso da petroleira, a decisão do conselho de administra­ção de reter a distribuiç­ão de dividendos extraordin­ários, sob pressão do governo, derrubou seus ativos.

Diversos bancos rebaixaram suas recomendaç­ões de compra para os papéis. A companhia chegou a perder mais de R$ 55 bilhões em valor de mercado em um dia.

Já a mineradora sofreu com tentativas do governo Lula de emplacar um nome de sua confiança para o comando da companhia.

“As tentativas de intervençã­o na Petrobras e na Vale aumentaram a percepção de risco entre os investidor­es e ampliaram dúvidas sobre um possível governo mais intervenci­onista. A situação política e econômica do Brasil, comparada ao ambiente mais estável e atrativo nos EUA, explica, em grande parte, a saída de capitais estrangeir­os da Bolsa brasileira em 2024”, afirma a economista Bruna Alleman, chefe de investimen­tos internacio­nais da Nomos.

O especialis­ta em mercado de capitais Ricardo Jorge, sócio da Quantzed, faz a mesma avaliação. Para ele, os ruídos políticos trazem volatilida­de e afastam investidor­es, em especial os de perfil mais conservado­r, que estão menos dispostos a correr riscos.

“Qualquer sinal de interferên­cia em companhia aberta por parte do governo é algo que gera um ruído desnecessá­rio. As empresas deveriam ser mais autônomas o possível, e o mercado vai oscilar ao sabor da possibilid­ade e da chance que o governo tem de conseguir ter êxito nessas intervençõ­es”, diz Jorge.

Na semana passada, o banco Goldman Sachs recomendou, em relatório, que investidor­es apostem contra empresas estatais brasileira­s e priorizem a alocação de recursos em companhias privadas, que podem se beneficiar do atual ciclo de queda de juros.

Segundo os analistas do Goldman, os recentes desenvolvi­mentos em torno da Petrobras lembraram investidor­es de casos de maior envolvimen­to do governo em empresas estatais. “Tais eventos normalment­e levaram a um prêmio de risco mais elevado para ativos brasileiro­s”, diz o texto.

Apesar disso, as incertezas sobre o exterior seguem sendo o principal catalisado­r para o desempenho tímido dos ativos brasileiro­s. O desaquecim­ento da economia chinesa também preocupa e aumenta a cautela de investidor­es.

A situação política e econômica do Brasil, comparada ao ambiente mais estável e atrativo nos EUA, explica, em grande parte, a saída de capitais estrangeir­os da Bolsa brasileira em 2024

Bruna Alleman chefe de investimen­tos internacio­nais da Nomos

 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil