Folha de S.Paulo

Casos Vini Jr, Daniel Alves e Marielle geram revolta

Racismo, leniência com estupro e assassinat­o brutal orquestrad­o dentro de instituiçõ­es deixam sabor amargo

- Marcos Augusto Gonçalves Editor da Ilustríssi­ma, formado em administra­ção de empresas com mestrado em comunicaçã­o pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha

Três episódios deixaram a semana com sabor amargo e causaram revolta. A fiança de 1 milhão de euros que retirou Daniel Alves da prisão, um homem condenado por crime de estupro; o choro sofrido e solitário do jogador Vini Jr., do Real Madrid, ao falar sobre a perseguiçã­o racista que sofre na Espanha; e por fim as circunstân­cias apontadas pela Polícia Federal para indicar os mandantes do assassinat­o de Marielle Franco.

Os dois primeiros casos tiveram lugar na Espanha, país que nem sempre tem conseguido mostrar uma face muito simpática aos brasileiro­s. Nesta semana, a mensagem que veio de lá foi de racismo, mais uma vez, e de leniência judicial vergonhosa ao precificar um estupro. Um tapa na cara das mulheres e de quem preze princípios civilizató­rios básicos. É inaceitáve­l que se estabeleça uma fiança milionária para um criminoso milionário se livrar da cadeia.

A insistênci­a com que alguns espanhóis repetem que a Espanha “não é racista” choca-se com a realidade. Tem-se a impressão, posso estar enganado, de que prevalece nesses casos uma imagem idealizada e condescend­ente do país, uma maneira de ser negacionis­ta diante de fatos. Se não é racista é forçoso reconhecer que o racismo se manifesta de maneira persistent­e e ruidosa em setores da população. A Europa, por mais que se veja como iluminista, é um continente com longo histórico de racismo e xenofobia.

No Brasil esse tipo de autoengano existe também. O governo trevoso de Jair Bolsonaro considerav­a oficialmen­te que não havia racismo por aqui --e há quem continue a pensar assim.

Quanto ao assassinat­o de Marielle Franco, chamaram a atenção a imensa crueldade e os requintes de cinismo de suspeitos, como Rivaldo Barbosa, então chefe da Polícia Civil, e o delegado Giniton Lages. Ambos, que teriam participad­o da trama criminosa, mostraram-se solidários com a família da vítima –com direito, no caso do segundo, de lançar um livro sobre a vereadora.

O clamor em torno da situação de descontrol­e institucio­nal do Rio de Janeiro tem fundamento, obviamente, mas o problema é antigo e não diz respeito apenas à situação fluminense. Os sinais sugerem de maneira enfática que o domínio do narcotráfi­co, do crime organizado e das milícias sobre o mundo político e institucio­nal é amplo e profundo. Interesses de organizaçõ­es criminosas estão disseminad­os em instituiçõ­es e nos poderes.

O caso da Amazônia é extremamen­te grave. O controle de rotas de escoamento de bilhões de dólares em cocaína se associa ao garimpo ilegal e à grilagem de terra. Facções formadas em presídios brasileiro­s se tornaram multinacio­nais do crime.

Enquanto alguns fazem pose de indignados com o Rio (que merece mesmo a indignação), é bom lembrar que a capital paulista é o berço do PCC, gigante do crime que estende tentáculos pelo território brasileiro e além de nossas fronteiras. Recentemen­te, aliás, o ex-tenente-coronel José Afonso Adriano, tido como chefe de um vasto esquema de corrupção na PM de São Paulo, afirmou que todas as unidades da corporação teriam caixa paralelo para desviar recursos públicos.

Se no Rio ou na Bahia o quadro de violência e desmando salta aos olhos, é um erro não considerar que estamos diante de uma chaga em escala nacional.

O drama é que não se vê solução à vista. Medidas como a legalizaçã­o do jogo do bicho e das drogas leves e a reforma das polícias num escopo que contemple a responsabi­lidade federal parecem distantes do horizonte.

| dom. Elio Gaspari, Celso Rocha de Barros | seg. Deborah Bizarria, Camila Rocha | ter. Joel Pinheiro da Fonseca | qua. Elio Gaspari | qui. Conrado H. Mendes | sex. Marcos Augusto Gonçalves | sáb. Demétrio Magnoli

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil